Cinco sugestões para resolver o problema das charretes em Poços de Caldas

Rafael E. Henrique

No artigo anterior falamos sobre a história e os problemas existentes na polêmica “tradição das charretes” em Poços de Caldas, pois antes de tentarmos resolver um problema é necessário conhecê-lo primeiro.

É mais do que evidente que a maior parte da população é contra este tipo de prática por conta do uso de animais para fazer o trabalho duro. Por isso, hoje vamos sugerir cinco maneiras para resolver este problema no turismo da cidade. Afinal já se passaram mais de 100 anos e o problema ainda continua.

O motivo das charretes ainda existirem é porque chamam a atenção dos turistas, por ser um costume antigo. Sendo assim, por que não poderíamos ter estes passeios sem utilizar animais? Pensando nisso, vamos mostrar as formas existentes, com base na história, para que as pessoas continuem podendo trabalhar com passeios turísticos, mas sem que algum animal seja utilizado:

1) Carruagem sem cavalo / Charrete Elétrica:

No final do século XIX (entre 1801 a 1900) estavam começando a ser inventados os automóveis. Entre os primeiros experimentos foi inventado também um tipo de carruagem que imitava as charretes de tração animal, só que sem precisar de ter algum animal puxando o carro. Este modelo era conhecido como “horseless carriage”. Um dos carros mais famosos deste tipo foi o de Frank Duryea, de 1893:

Carruagem sem cavalo de Frank Duryea.

Porém, este tipo de carruagem acabou evoluindo para os conhecidos automóveis de hoje em dia. Infelizmente, não impediram que os animais continuassem a ser utilizados nas charretes para carga ou turismo, até hoje em dia. Com indignação a isso, nos Estados Unidos o prefeito Bill de Blasio prometeu encerrar a prática de carruagem em Nova York em 2013 em sua campanha eleitoral. Por isso, um senhor chamado Alex Gerami inventou um modelo elétrico parecido com as antigas carruagens sem cavalo de antigamente e mostrou o seu experimento funcionando no Central Park em Nova York:

Modelo de carruagem sem utilização de animais.

Mas nos Estados Unidos a prática das carruagens não foi encerrada, apenas limitada, obrigando os charretistas a andar apenas no Central Park. O motivo da invenção não ter ido pra frente é o modelo retrô e elétrico, que iria sair caro para o turismo (em torno de R$50 mil para cada carro). Christina Hansen, uma charretista de Nova York, argumentou que o modelo “não é viável para o serviço de carruagem. As baterias não duram o suficiente, elas não são apropriadas para o dia todo aqui fora” e ainda enfatizou “Por que alguém iria montar em um destes? É apenas um carrinho de golfe gigante que parece engraçado. Ele tira todo o charme do negócio. Nós não queremos fazê-lo sem nossos cavalos, é por isso que estamos aqui.” – Fonte: The Epoch Times – “Electric Carriage: A Replacement for Carriage Horses in New York City?”

Então o preço para fabricação, implementação e manutenção do veículo poderia acabar tendo um alto custo, pois se tratando de um veículo clássico é necessário ter cuidados específicos para a sua manutenção. Para Poços de Caldas poderia estar fora de cogitação com a atual situação financeira da Prefeitura. Mas é claro que também há outras alternativas, como podemos ver um outro tipo de charrete elétrica que, mesmo moderna, também agrada os turistas, que é o caso da ilha de Paquetá no Rio de Janeiro:

Charretes elétricas substituíram as charretes tradicionais na ilha de Paquetá (RJ).

Mas por lá também já houve protestos por conta da substituição, pois há pessoas contra a mudança da tradição e também de ter que ter um gasto maior para manter as baterias dos carros.

Portanto, mesmo estes modelos sendo atrativos, seria necessário pensar em uma forma com a qual não houvesse muitos gastos, para que não fique inviável a implementação. Como alternativa, os carros poderiam funcionar com gasolina ou até mesmo como uma bicicleta. Falando nisso, vamos para a próxima sugestão:

2)  Ciclo-riquixá / Bicicleta Taxi / Ecotaxi

Os riquixás, do japonês jinrikisha (人力車, onde 人 jin =humano, 力 riki= tração, 車 sha = veículo), eram uma prática de tração humana muito conhecida na Ásia. Eles surgiram por volta de 1868 no Japão, no início da Restauração Meiji, quando as pessoas puxavam as carroças com as mãos, levando uma ou até dois passageiros. Isso acabou exigindo muita força das e não era tão eficiente. Por isso, com o tempo a prática foi adaptada para o ciclo-riquixá, que é um modelo utilizando bicicletas:

Senhorita Betty Gordon de Louisville, Kentucky, em um ciclo-riquixá em 1930.

Este é um modelo ecológico que continuou existindo nas cidades em diversas regiões do mundo, inclusive no Brasil, com o nome de “Ecotaxi”. Para atrair os turistas, hoje existem diversos tipos de ciclo-riquixás, variando entre o clássico e o moderno:

 

 

Os diversos modelos de ciclo-riquixás.

A implementação em Poços de Caldas seria muito válida, porque não é um veículo difícil para a fabricação, manuseio e não teria alto custo de manutenção. Para a segurança dos ciclistas, poderia ser mais um motivo para que fossem implementadas mais áreas de ciclovias na cidade, como já é muito pedido. Como orientação, poderiam seguir também o “Plano Cicloviário de Poços de Caldas” de Álvaro Danza Vilela, que explica os motivos e mostra sugestões para as áreas que seriam apropriadas para as ciclovias na cidade.

Falando em bicicletas, nos anos 90 foi inventado um modelo curioso para o turismo, chamado de “Party Bike”, ou também conhecido como “Beer Bike” ou “Pub Cycle”. Esse é um modelo em que as pessoas pedalam enquanto são servidas cervejas ou outras bebidas, praticamente um “bar sobre rodas”:

Party Bike em Barcelona.

Existem lugares, como em Hamburgo, na Alemanha, e Amsterdã, na Holanda, que a prática foi proibida, não por causa da bebida, mas sim porque foi alvo de uma série de problemas, incluindo assaltos, barulhos e acidentes. Porém muitos turistas gostam da atração por ser divertida, social e ecológica. Ainda não houve registros de ter este tipo de atração em alguma cidade do Brasil.

Sobre as práticas de bicicletas no turismo, como os ciclo-riquixás, a única dificuldade que podemos dizer que possa existir é que pode acabar também sendo exaustivo para o trabalhadores para se usar em todos os dias, por isso que também existem modelos que adaptaram para um outro tipo de veículo, como motocicletas, que é o caso de nossa próxima sugestão.

3) Auto-Riquixá / Tuk Tuk

Para modernizar os ciclo-riquixás, entre as década de 1940 e 1950 foram inventados estes modelos que substituíram bicicletas por motocicletas. Inicialmente eram usados apenas para carga, como podemos ver o modelo “Piaggio Ape”, de Corradino D’Ascanio, inventor da motoneta Vespa:

Piaggio Ape em 1949.

Com o tempo ele foi adaptado para o turismo e acabou sendo mais conhecido como “Tuk Tuk”, o seu nome em tailandês. Em Poços de Caldas já é um modelo existente no turismo:

 

Tuk Tuk da City Tuk em Poços de Caldas.

Então vem a pergunta: “Se ele já existe em Poços de Caldas, porque as charretes ainda continuam?”. Porque é um caso complicado, no início os tuk tuks precisaram de regulamentação para que pudessem funcionar. Após o decreto que permite a utilização, um ano depois, houve a enchente de 19 de janeiro de 2016, que estragou toda a frota de tuk tuks. Hoje temos dois modelos existentes na cidade, um amarelo e o outro verde.

Mas o problema principal é que seria necessário que todos os charretistas que queiram continuar o trabalho teriam que ter a carteira de habilitação na categoria “A”, apropriada para o triciclo, mas nem todos têm condições para isso. É por isso que, se optarem por esta solução, também seria necessário que a Prefeitura auxiliasse esta transição, fazendo mutirões para que todos os charretistas tivessem instruções e a habilitação para o uso, além de fornecer o tuk tuk para cada trabalhador, para que ninguém seja prejudicado e não haja depois protestos para que voltem as charretes, por causa das pessoas ficarem desempregadas, como aconteceu em Recife (PE).

E agora vamos à nossa próxima sugestão que, apesar de ser a mais diferente, também seria um grande investimento:

4) Bondes Elétricos

Os bondes se originaram no sul do País de Gales, Reino Unido, no final do século XIX (entre 1801 a 1900), sendo o primeiro tipo de transporte público do mundo. No início eram veículos de tração animal e existiram também em vários lugares do Brasil, inclusive em Poços de Caldas.

Com o tempo este tipo de veículo foi se modernizando para o elétrico em várias cidades do país, porém em Poços de Caldas o modelo deixou de circular antes que isso acontecesse. Há muitas cidades em que a utilização do veículo também foi encerrada e em algumas outras evoluíram para o moderno metrô, na década de 70.

Hoje em dia há cidades que voltaram com a tradição do bonde elétrico como uma atração turística, como é o caso de Santos, em São Paulo:

Bonde elétrico da cidade de Santos (SP).

Podemos ver que o passeio enriquece muito a imagem turística de uma cidade, mas existe uma grande dificuldade de implementação, principalmente por causa dos trilhos que devem serem colocados nas ruas. É preciso ser bem planejado para que não traga problemas para o trânsito. Por causa disso, em algumas cidades optaram em manter a tradição colocando-os em lugares apropriados, como é o caso de Campinas (SP), que limitou a utilização do bonde apenas no Parque Taquaral.

Um outro meio para que a cidade possa ter o bonde sem que interfira no trânsito é a adaptação para ônibus, que é o caso de Barra Bonita (SP). Lá foram adaptados os conhecidos “Trenzinhos da alegria”, para ter a aparência dos bondes tradicionais. Desta forma, podem passear por qualquer lugar sem depender de trilhos:

Bonde motorizado de Barra Bonita (SP).

Se os bondes voltassem para Poços de Caldas nesta forma modernizada elétrica, agregariam um valor histórico e cultural ao turismo, pois como a cidade já teve uma vez, seria como se o passado voltasse ao presente de uma forma renovada. Seria ainda uma ótima atração turística e histórica. Se você quiser saber mais sobre os bondes em Poços de Caldas e imaginar como poderia ser se eles voltassem a circular nesta forma pela cidade, clique aqui.

E como já falamos de veículos motorizados, então vamos à nossa última sugestão.

5) Automóvel de Turismo

No início do século XX, os carros que eram caros demais e por isso poucos tinham condições financeiras para adquirir, também foram usados para o turismo tendo lugar para até três pessoas na carroceria. Um dos carros mais conhecidos foi o modelo T de Henry Ford:

Ford T entre 1909-1916.

Com o tempo o carro foi se adaptando para ter mais lugares e evoluindo em vários tipos de carros motorizados que temos hoje. Em 1929 foi lançada a Ford Jardineira, que é um carro que temos hoje no turismo de Poços de Caldas:

Ford Jardineira de 1930 em Poços de Caldas.

Mas, assim como o tuk tuk, ele também está sendo usado na cidade apenas como uma alternativa para o turismo, da mesma forma que temos “Trenzinhos da alegria” e “Carretas fantásticas”.

Porém, para aplicar esta solução, também há o mesmo problema que os tuk tuks, é preciso carteira de habilitação, que no caso além da categoria “B” (para automóveis) precisaria também da categoria “D” (para micro-ônibus). Sem falar no preço para o investimento, então é por isso que este tipo de carro é raro nas cidades turísticas. Mas valeria a pena o investimento já que Poços de Caldas é conhecida pelos festivais de carros antigos.

Conclusões

Analisando todas estas soluções, podemos concluir que, na maioria dos casos, os charretistas poderão mudar para o novo tipo de trabalho sem dificuldades. Mas em outros casos terão que se adaptar, mas a transição de trabalho poderá ser feita sem problemas se tiverem apoio pela Prefeitura.

Todas estas soluções foram feitas em bases de pesquisas na história, então em qualquer uma delas os turistas poderão se sentir andando em um veículo histórico, assim como as charretes.

Como podemos ver, a maior parte dos veículos é ecológica, o que seria também muito agradável para o meio ambiente da cidade.

Considerações finais

É muito importante enfatizar que, independente da solução que for implementada na cidade para substituir as charretes, é necessário que, após a mudança, os cavalos passem a ser bem cuidados, indo para centros de zoonose, e que não fiquem abandonados ou soltos pela cidade à mercê de serem mortos pelos carros, como já aconteceu:

Cavalos soltos na Rua dos Expedicionários à mercê de serem mortos pelos carros.

Por fim, se nenhuma destas soluções forem aplicadas, é necessário que toda a população se manifeste, criando e participando de protestos, participando de grupos, páginas, além de criar e assinar petições como essa. O mais importante é que sejam persistentes, pois apenas desta forma a história poderá um dia ser mudada para o bem dos animais e da cidade.

*Rafael E. Henrique é formado em Ciências da Computação em São José dos Campos e também tem uma paixão por história e fotografia, o que o levou a criar o site Resgatando Cidades e o Resgatando Poços de Caldas para mostrar comparações e pesquisas sobre o passado da cidade com a intenção de incentivar a sua preservação.

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