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Poços de Caldas

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Antes trabalhar do que ficar na rua

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O trabalho infantil. O Brasil que ainda conta com números alarmantes de trabalho de crianças e adolescentes certamente não estaria nesse cenário se não fosse nossa conivência social e cultura do trabalho precoce. Aqui criança só não trabalha na legislação, já que em 2017 foi constatado aumento do número de trabalho infantil de crianças entre 5 e 9 anos, segundo o IBGE. Os índices altos assustam e mais ainda as condições em que este trabalho ocorre, em minas, lavoura, pedreiras, trabalho doméstico, prostituição e tráfico de drogas.

Quando os casos parecem extremos, como os que foram citados acima, imediatamente há comoção momentânea sobre as condições de vida em que se encontram as crianças e adolescentes explorados  diariamente por empregadores e pelas famílias, que tantas vezes dependem financeiramente do trabalho dos filhos para sobreviver. Ninguém se arriscaria a questionar a retirada de uma criança de quatro anos que está trabalhando de quebrar pedras desta situação, ou ainda alguma menina de dez anos da exploração sexual. A princípio, a maioria de nós concorda que há idade correta para a inserção das pessoas no mercado de trabalho.

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Mas como diversas questões em nosso país, nossas concessões são maiores do que a consciência que adquirimos em relação aos fatos, ainda que demonstrados com dados concretos. De nada adianta apontar para os números mostrando que o trabalho infantil leva à infrequência e à evasão escolar, que desde 2007, quase quarenta mil crianças sofreram acidente de trabalho, metade deles envolvendo amputação de membros e até a morte. A fala é sempre a mesma, melhor trabalhar que… e a sequência da frase é sempre um entendimento catastrófico, drogas, crime, gravidez, vagabundagem. E os motivos desta fala são muito simples e podem ser resumidos em uma só questão, o trabalho, seja qual for, em nossa sociedade é associado à honestidade e ao caráter, desde que a criança seja pobre. Se alguém conhecer uma só pessoa que defenda que as crianças e adolescentes de classe média e alta trabalhem dentro dos metrôs, nos lixões, como pedreiros ou limpando casa, que avise.

O que ocorre é que inversamente do que se acredita, o trabalho precoce, seja ele qual for, não livra a criança de nada. Ao contrário, a expõe mais. O índice de evasão escolar está diretamente ligado ao trabalho precoce, inclusive entre adolescentes. Criança que trabalha está muito mais exposta ao consumo de bebidas alcoólicas e drogas e não o contrário. E se você acha que pegar na enxada não faz mal a ninguém, como já ouvi inclusive de pessoas ligadas à Justiça da Infância, aqui na região, te convido a olhar para os dados oficiais que a ONU aponta sobre o Brasil e rever se seu conceito na verdade não é algo ligado às políticas higienistas em relação às crianças pobres.

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Pegar na enxada mata pessoas sim, e todos os dias se elas são crianças, e também amputa seus braços, pernas e mãos, assim como outros tão diversos tipos de trabalho. Quem não conhece alguém que se queimou gravemente cozinhando para os irmãos menores ou fazendo comida sozinho, quando criança? Sério mesmo que alguém considera que trabalhar como servente de pedreiro é ótimo para o desenvolvimento físico de um menino de 13 ou 14 anos? Quem já parou pra pensar no que causa para a criança, ser impedida de ir à escola ou ir desmaiando de sono, porque está com todo o trabalho de casa sobre as costas? Antes que alguém comece a comentar, não estamos falando de organizar seu espaço e fazer sua parte no trabalho da casa, isso não é trabalho doméstico.

E o mais grave, é sério mesmo que estamos livrando um empresário de contratar alguém com todos os direitos trabalhistas garantidos por lei para colocar uma criança no trabalho, e ainda justificamos dizendo que faz bem para ela? É realmente sério ouvir isso? Sem direitos, sem pagamentos de impostos, sem proteção legal contra acidentes, sem salário mínimo garantido, sem direito de estudar, completamente fora da legislação que prevê trabalho de aprendiz para adolescentes no Brasil. E nós ainda passamos a mão na cabeça do empregador.

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Trabalho infantil só é cultural quando a criança é pobre, assim como diversas outras questões no Brasil. Ninguém quer ver um adolescente de classe média trabalhando no semáforo ou de pedreiro, sabe por quê? Porque ele está fazendo intercâmbio para falar inglês, indo à natação, estudando em seu cursinho preparatório para o vestibular da Universidade Federal a que o adolescente da enxada jamais terá acesso, a não ser na mente desconexa de quem acredita em meritocracia. Enquanto a classe alta ingressa na Universidade já bilíngue, a camada pobre está cumprindo horário de serviço prematuro em trabalhos noturnos e informais, cumprindo o famigerado serviço militar obrigatório, que milagrosamente, também exclui de forma natural a classe alta, não se sabe bem o porquê. Alguém já viu um descendente das grandes famílias brasileiras acordando às cinco da manhã para fazer Tiro de Guerra? Não, né?

Se temos inculcado que é com “sacrifício” que se vence desde a infância, os números reais nos mostram que não. Sacrifício deveria fazer a classe empregadora de contratar funcionários adultos pagando o que deve, sem enriquecer ainda mais nas costas de crianças e adolescentes pobres. E se alegamos que a família pobre depende do trabalho das crianças, eu acredito. Mais um motivo para que seja proibido, porque a política pública precisa chegar ali e ela só chega quando a sociedade não aceitar mais esse tipo de situação como dada e cultural. O Estado só vai chegar quando não mais admitirmos o trabalho de crianças na sociedade. Quando pararmos de chorar diante da imagem de crianças no lixão e começarmos a sentir raiva. Raiva do que somos e do que submetemos nossas crianças. Não é emocionante, é horrível, é medonho e é absurdo que esse fato não nos revolte a ponto de revirar o estômago e entender que o sistema é desigual e falido e que precisamos insurgir contra ele.

Trabalho infantil e de adolescentes fora dos padrões legalmente estabelecidos não é prova de honestidade e não faz bem, a não ser para a classe rica. Culturalmente arraigado, é verdade, sobretudo em algumas regiões, não por acaso as mais pobres, precisa ser quebrado. Muita coisa nessa vida é entendida como cultura, mas nada justifica ceifar direitos humanos. Em nome do que chamamos erroneamente de cultura, mulheres são apedrejadas e têm seus corpos mutilados, crianças se casam com quatro anos e outras, quebram pedras, pegam na enxada, viram água fervendo em cima de si ao cozinhar, perdem dedos em ferramentas, deixam de estudar, de brincar e de se desenvolver adequadamente, em nome de uma moral burguesa hipócrita que só coloca as crianças pobres em zona de risco. Quando ouvir que antes trabalhar do que ficar pelas ruas, pense nas ruas como a falha social maior do Estado e da sociedade e tenha a dignidade de olhar para os números reais. A maioria das crianças que estão nas ruas trabalham. E muito. Crianças que usam drogas trabalham. Crianças precisam estar na escola, brincando e convivendo em família e comunidade. E só. O resto é função de todos, da comunidade, do Estado, da família. Menos da criança.

*Andréa Benetti é pedagoga, formada na Puc Minas pelo ProUni, mestranda em Educação pela Unifal, pesquisadora de gêneros e juventude, e conselheira tutelar em Poços de Caldas, regiões sul/oeste.

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