PATER
do Latim PATRIMONIUM, “herança, propriedade paternal”, de PATER, “pai”
MONIUS,
sufixo latino formador de substantivos abstratos, indicando estado, função ou papel, bem como uma qualidade pessoal ou tipo de comportamento
(http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/monio)
Origem da palavra patrimônio
originário do latino patrimonium, cujo significado é de herança familiar ou do pater (pai), o “patriarca”, que, no Império Romano, como em geral em toda a Antiguidade, detinha o governo ou poder de dispor sobre seus “pertences vivos” particulares, do cachorro à vovozinha, fazendo o que bem entendesse, do empréstimo e venda à morte
(https://www.dicionarioetimologico.com.br)
Hoje gostaria de falar sobre o que DEIXAMOS. Ao contrário do último texto sobre a sobra, o resto ou o que SOBROU, penso que o que se deixa é o precioso, aquilo que aprendi, aquilo que está no presente e que foi concebido no passado.
É isso, se construiu educação, se construiu amor, se construiu o berço de onde viemos, cada um com um formato, mas que juntos estão construindo o de todos, uma sociedade, um lugar, o espaço que comunica-se por significados.
É isso. O significado no espaço e o que dá sentido a ele, o significante.
Passei por anos nesta esquina seguindo para minha casa depois da escola, e ao chegar no pé do morro da Rua Capitão Afonso Junqueira já me sentia quase em casa.
Era a esquina da casa que tinha uma varanda de cipós, muito parecida com a ponte da Praça dos Macacos (antiga Praça da Columbia, hoje Praça Dom Pedro II) , por onde acabara de passar e lavar o rosto e os braços. Adorava, me sentia renovada pela água preciosa da fonte.
Somente muito mais tarde fiquei sabendo que quem morava ali era o grande Antonio Candido! Que fantástico! A casa da varanda de cipó virou LETRA!
A LETRA do PATRIMÔNIO onde a palavra vem de dois vocábulos greco-latinos: “pater” e “nomos”. A palavra “Pater” significa pai, chefe de família, ou em um sentido mais amplo, os antepassados. A palavra “Nomos” origina-se do grego e refere-se a lei, usos e costumes relacionados à origem, tanto de uma família quanto de uma cidade. O patrimônio pode ser compreendido, portanto, como o legado de uma geração ou de um grupo social para outro. Então a casa da varanda de cipó, que virou letra, agora virou ORIGEM.
A LETRA virou origem da minha MEMÓRIA. E então a casa da varanda de cipó, que virou letra, virou origem e agora é minha MEMÓRIA.
De acordo com Chaui, a “memória é uma evocação do passado. É a capacidade humana para reter e guardar o tempo que se foi, salvando-o da perda total. A lembrança conserva aquilo que se foi e não retornará jamais” (CHAUÍ, 2005, p. 138).
A letra da memória, que me leva ao cheiro da esquina, onde amigos de infância que me chamavam para brincadeiras de rua e papos na adolescência.
E a LETRA que virou MEMÓRIA virou, agora no presente da cidade, um MURO! Que triste constatação em ver na cidade um patrimônio, um legado de vida, aquilo que significa, o significante da personalidade que tem no objeto CASA a significação de um literário, de um homem que declarava seu amor explicito à cidade e que virou LIVRO.
O MURO agora representa não mais a LETRA, nem a MEMÓRIA, nem mais a CASA e sequer representa o LIVRO. O que representa agora esse lugar é a DEMOLIÇÃO feita hà muito, em prol do novo, da novidade, daquilo que vem anulando o que passou… Sem significado, sem ter a quem nem o que deixar de LEGADO.
E a CIDADE segue sem políticas públicas adequadas que resguardem a identidade de um de um povo, de um lugar, de um bem, de um LEGADO. É dado ao esquecimento, ao apagamento de valores que nos dão uma noção do que fomos e do que podemos vir a SER.
Nosso PATRIMÔNIO tem um órgão municipal, que tenta sobreviver em uma precariedade administrativa, praticamente uma única pessoa heroica em seus afazeres diários, e não conta com os devidos recursos humanos de uma secretaria de peso para o bem maior que a cidade almeja, uma identidade local para o resguardo à CIDADANIA.
Mas acho que não posso falar sobre esse símbolo defensor da brasilidade tão necessária à Pátria, e portanto delego aos seus escritos o seu valor presente no que nos foi DEIXADO.
Antonio Cândido, sociólogo e crítico literário nos relata em seu “A cidade, a casa e os livros” , (Memórias) vai falar por si mesmo:
“…Para mim, Poços de Caldas está associada de modo essencial à ideia do livro e da leitura. A cidade tinha 12.000 habitantes quando nela fomos morar, em janeiro de 1930. Eu ia pelos onze anos e meio e era um pequeno leitor compulsivo, atraído pelos livros de modo um pouco maníaco. Tendo lido até então, desde os seis anos, livros infantis e já alguns para adultos, mergulhei nestes em Poços, encontrando condições favoráveis para isso” .
É este o homem que me fez sentir em sua varanda de cipós, uma CASA que virou LETRA, e que virou MEMÓRIA e que virou… MURO e que agora só encontro em LIVROS, porque a mesma cidade que o fez associar ao livro e à leitura deixou o objeto CASA ir embora. Demolida, que virou muro.
E como ele mesmo diz sobre a casa onde sempre retornava:
“…Meu pai morreu prematuramente em 1942 e minha mãe foi morar em São Paulo, onde já estavam os filhos, mas conservamos a casa e nela íamos sempre. Minhas filhas e meus sobrinhos a frequentaram até a maturidade e depois foi a vez dos netos. Minha filha Ana Luiza contou a sua experiência caldense no livro que escreveu sobre a sua infância: O pai, a mãe e a filha. Como disse com precisão poética em um dos seus livros meu irmão Roberto, “a casa era a nossa epiderme de alvenaria”, e até 1989, quando a vendemos, uma espécie de sede da família.
Para mim, foi sempre um remanso onde eu ia ler e escrever até que um dia os livros e as pessoas migraram e ela própria acabou desaparecendo fisicamente.
Mas para nós, é como se, lembrando o verso de Manuel Bandeira, continuasse Intacta, suspensa no ar.
Cumprimentos cordiais
Antonio Candido de Mello e Souza”
E a casa, EPIDERME DE ALVENARIA de Antonio Cândido, virou memória ‘intacta, suspensa no ar’ para quem ainda tem a sorte de saber que o MURO de hoje era o significante de um brasileiro que foi poços-caldense.
Por favor, cuidemos do nosso PATRIMÔNIO para não deixarmos somente o ESQUECIMENTO de herança aos que ainda virão.
Segue um pouco sobre sua produção que, Graças a Deus, nos DEIXOU de herança esse grandioso PATRIMÔNIO:
Antonio Candido
Sociólogo e crítico literário brasileiro
Antonio Candido nasceu em 1918 e morreu em 2017. Foi um sociólogo, crítico literário, ensaísta e professor brasileiro, que ganhou o Prêmio Jabuti (1965), o Prêmio Machado de Assis (1993), o Prêmio Camões (1998) e o Prêmio Alfonso Reyes (2005), no México.
Antonio Candido de Mello e Souza (1918-2017) nasceu no Rio de Janeiro, no dia 24 de julho de 1918. Filho do médico Aristides Candido de Mello e Souza e de Clarisse Tolentino de Mello e Souza, recebeu as primeiras lições em casa, com sua mãe. Ainda criança, mudou-se com a família para a cidade de Poços de Caldas, em Minas Gerais.
Em 1935, já residindo em São Paulo, concluiu o curso secundário no Ginásio Estadual de São João da Boa Vista, no interior do Estado. Entre 1937 e 1938 estudou no curso complementar do Colégio Universitário da Universidade de São Paulo (USP). Nessa época, militava no Grupo Radical de Ação Popular, contra o Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas.
Em 1939, com 21 anos, ingressou no curso de Direito da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e também no curso de Filosofia na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Em 1941, fundou a revista “Clima”, junto com Décio Prado, Paulo Salles e Gilda Rocha (futura Gilda de Mello e Souza), época em que iniciou sua carreira de crítico literário. Concluiu o curso de Filosofia em 1942 e nesse mesmo ano, ingressou no corpo docente da USP, como assistente de ensino do professor Fernando de Azevedo, na cadeira de Sociologia.
Em 1943, Antonio Candido passou a colaborar com o jornal Folha da Manhã. Em 1945 foi aprovado no curso de Literatura Brasileira obtendo o título de livre docente com a tese “Introdução ao Método Crítico de Sílvio Romero”. Em 1954 obteve o grau de doutor em Ciências Sociais com a tese “Os Parceiros do Rio Bonito”, uma abordagem sumária sobre as sociedades tradicionais. A obra foi publicada em 1964. Em 1956 criou o suplemento literário do jornal O Estado de São Paulo.
Entre os anos de 1958 e 1960, lecionou Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, hoje integrada à Universidade Estadual Paulista. Em 1959, publicou “Formação da Literatura Brasileira”, sua obra mais influente. Em 1961 retornou à USP, como professor colaborador da disciplina de Teoria Literária e Literatura Comparada. A partir de 1974 tornou-se professor titular da mesma universidade.
Entre 1964 e 1966, Antonio Candido lecionou Literatura Brasileira na Universidade de Paris. Em 1968 foi professor visitante de Literatura Brasileira Comparada na Universidade de Yale, Estados Unidos. Aposentou-se em 1978, mas continuou lecionando no curso de pós-graduação até 1992. Em 1980, participou da fundação do Partido dos Trabalhadores. Foi professor-emérito da USP e da UNESP.
Recebeu o título Honoris Causa da UNICAMP e da Universidade da República do Uruguai (2005). Foi casado com Gilda de Mello e Souza (1919-2005) professora de Estética da USP, com quem teve três filhos.
Antonio Candido faleceu em São Paulo, no dia 12 de maio de 2017.
Obras de Antonio Candido
- Formação da Literatura Brasileira (1959)
- Os Parceiros do Rio Bonito (1964)
- Literatura e Sociedade (1965)
- Vários Escritos (1970)
- Presença da Literatura Brasileira (1971)
- Na Sala de Aula: Caderno de Análise Literária (1985)
- A Educação Pela Noite e Outros Ensaios (1987)
- O Discurso e a Cidade (1993)
- Estudo Analítico do Poema (1993)
- Iniciação à Literatura Brasileira (1997)
- O Romantismo no Brasil (2002)
- Tempode Clima (2002)
- O Direito à Literatura e Outros Ensaios (2004)
- Eça e Machado (2005)
Sites consultados – data 23/05/2017
http://webartigos.com/artigos/memoria-e-patrimonio-etimologia/21288
http://prestesaressurgir.blogspot.com.br/2016/04/inedito-de-antonio-candido-cita.html
REFERÊNCIAS Bibliográficas
CHAUÍ, M. Convite à filosofia. 13 ed. São Paulo: Ática. 2005.
*Adriane Matthes é arquiteta e urbanista – mestre e doutoranda em urbanismo pela PUC Campinas; professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC Minas campus Poços de Caldas.