“A Sociedade do Papel” transcende o comum

Teatro

Qual é o seu papel? O primeiro espetáculo autoral do Grupo NucleArte, “A Sociedade do Papel”, faz reflexão sobre este questionamento. Com direção de Nando Gonçalves e Co-direção de Luciana Rossi, de forma metafórica e contemporânea os diferentes tipos de papeis e suas utilizações são relacionados aos comportamentos, interesses e estereótipos humanos.

Uma chuva grandiosa tomou conta de Poços de Caldas minutos antes do horário marcado para o início da última apresentação da temporada 2018, no último dia sete de novembro no Teatro Benigno Gaiga – Urca. Apesar da água que caía cerca de 60 pessoas foram presenciar o espetáculo que reforça a identidade do grupo com sonoplastia ao vivo e músicas próprias.

O espetáculo é composto por signos do início ao fim e passa pela comédia e pela tragédia. Como comentado pelo elenco no bate-papo pós-espetáculo, cada cena é uma história distinta e passa por diversos locais e questões: desde os primórdios com um arrepiante nascimento, a briga de poder, a alienação, os papéis de livro que são aspirados pelo opressor, da busca pelo que não se tem e pelo que não se é ao engraçado sujeito que possui uma boneca manipulável, ao abandono da máscara que não te pertence, ao encontro dos higiênicos até chegar à rua sem saída do apartamento com paredes de papel e, por fim, a luz compartilhada que faz despertar o papel de cada um.

Um dos maiores pontos positivos da produção é a multipotencialidade que cada ator representa. Passando pelas funções de contra regra, músico, ator e sonoplasta, ninguém fica parado nenhum minuto sequer durante todo o enredo. Importante ressaltar também a maturidade cênica que Vitor Araújo e Fernanda Franz mostraram mesmo sendo os mais novos do elenco, ela com 16 e ele com 19 anos. A manipulação de objetos e bonecos por todo o elenco e o uso das habilidades individuais de cada ator também fazem uma grande diferença na experiência do público, como a dança do ventre de Julia Cristina e os malabares e acrobacias de Marcelo Ambrosio.

Figurino, cenário e adereços de cena foram conectados à temática. Optou-se pelo uso de inúmeros tipos e cores de papéis ao longo do espetáculo, iniciando com o pardo, passando pelo sulfite, crepom e papelão até finalizar com o jornal. A árvore que nos fornece o papel também foi item que apareceu em todas as cenas com formas, usos e tamanhos diferentes, mas sempre presente. Devido ao uso de diversos outros elementos optou-se por figurino e maquiagem para algo mais neutro, roupas pretas e pele com pouco brilho e destaque para o olhar.

A luz impecável e sem erros aparentes ficou por conta de Felipe Campos que tem impressionado na posição de iluminador. Com luzes fortes e bem afinadas, sejam nos focos ou nas gerais, conseguiu-se ambientar e trazer também emoção às cenas.

Músicas e sonoplastias com a Direção Musical de Nanda Dearo também estavam hipnotizantes e alinhadas com os momentos em que o espetáculo pedia música.

Com uma plateia repleta de pessoas que ainda não conheciam o trabalho do NucleArte, a recepção do público foi calorosa e ativa. Uma menininha muito simpática, que devia ter uns 9 ou 10 anos, estava dando altas gargalhadas e respondendo ao espetáculo de forma espontânea em vários momentos.

Por mais incrível que seja os artistas fazerem inúmeras funções dentro do espetáculo, acredito que seria interessante terem uma ou duas pessoas na contra regragem ou uma nova divisão de funções para que não tenha pausas desnecessárias que afetam o ritmo e podem vir a causar um desligamento da presença e atenção do público.

Acredito que o espetáculo é necessário, potente, moldável e bem diferente das produções feitas na cidade. “A sociedade do papel” cumpre o objetivo de tirar o público do lugar comum através do questionamento de qual é o seu papel e pela dramaturgia que sai da linearidade.

Vida longa ao “A Sociedade do Papel”!

*Rafaela Jacon Dutra – autora

Uma atriz empreendedora que vê o teatro como sinônimo de presença e transformação. @rafaelajacon rafaelajacondutra@gmail.com

Gabriela Severini – colaboradora

atriz em constante evolução.

@gabrielapsev

severinigabriela@gmail.com