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Hoje eu só quero falar de amor

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Hoje nada de filosofia ou política, hoje é dia de falar de amor, e não o ideal, mas o real. Acabei de assistir um seriado que não é muito comentado, mas quanto a isso foda-se. Na verdade é uma minissérie que trata de gays, lésbicas, trans e queers, aborda descobertas recentes sobre o vírus HIV (onde com medicação pode-se coibir a transmissão do vírus em casais gays, onde um parceiro tem HIV e outro não). Ah… estava quase me esquecendo, o nome do seriado disponível no Netflix é Crônicas de San Francisco. Não vou trazer nenhum spoiler, mas ao final de dez episódios percebi que através de várias histórias de personagens diversos em Barbary Lane, uma pensão de uma senhora trans de noventa anos em São Francisco (EUA) a ideia é de trazer outras formas de significar o amor. Bem agora, me permitam debruçar sobre o tema.

A primeira coisa que é importante abordar aqui é o seguinte: o amor romântico, da forma como conhecemos e somos estimulados a conquistar desde a infância, em busca de pessoas que nos completam, de casais que vivem felizes para sempre, de príncipes encantados, de mulheres cuidadoras de lares sempre lindas e maravilhosas como nas propagandas de margarina, toda esta baboseira que a moral prega dia a dia não é um sentimento natural do ser. O amor romântico é uma construção social. Entenda o seguinte, o sentimento que o seu corpo sente, ou seja, o amor, sensação que sempre vai sentir por alguém ou algo que te alegra, vai sempre existir. Este afeto é realmente algo natural, mas não é aí que esta a ilusão da vida, mas sim no entendimento, quando o ser traz esta sensação para a sua racionalidade, quando pensa a respeito, em o que fazer com aquela alegria que chega. É neste momento que a sociedade age sobre o ser, que a ideologia dominante vai levar o indivíduo a querer assim ou assado. É por aí que o amor romântico impregna na pele como uma mancha e quanto mais idade se alcance mais manchas vão aparecendo e se um dia chegar à sua velhice estas manchas do amor romântico também estão nas suas mãos. Mas você já se perguntou por que a sociedade é domesticada, é dominada pelo conceito do amor romântico? O que se ganha com isso? Melhor ainda, quem ganha com esta forma de viver?

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O filósofo francês Giles Deleuze, grande pensador do século XX, escreveu um livro sobre um escritor do mesmo século, Marcel Proust. No livro intitulado Proust e os signos, Deleuze alerta que Proust trouxe uma análise moderna do amor, como uma forma de aprisionamento. Este conceito perdura até a atualidade. Quem ama de forma convencional também prende. Nas relações o amor é confundido frequentemente como posse, seja o amor entre um homem e uma mulher até amor entre queers, não importa os gêneros envolvidos (Deleuze acreditava que todo ser humano tem sua parte de masculino e feminino, talvez isso possa explicar as diversas formas de gêneros e conceitos que temos). Do outro no relacionamento sempre é cobrado a fidelidade, do corpo, do sexo e até da mente. Isso aconteceu quanto o outro está indignado por não saber o que você está pensando, ou quando simplesmente ao ligar pra você já pergunta: “tá aonde?” ou “quê que você está fazendo?”. Intuitivamente e por experiência é como se o outro soubesse que a qualquer momento você pode sentir desejo por outra pessoa que passou na sua frente na rua, ou que te deu um abraço apertado no trabalho, ou que te deu um beijo ao te cumprimentar e, sem querer, sentiu o seu perfume, dando cinco segundos de sensação de leveza e arrepio bom. Acho que pelo fato de saber que isso pode acontecer com você a qualquer momento da sua vida, há o aprisionamento da sua parte do seu parceiro. Vai que numa destas balançadas ele vai embora? Ai que pena, o homem sofre muito mais quando tenta controlar o que é contingência. Sinto em lhe dizer que, controlando ou não, o seu parceiro vai encontrar com sensações de outras pessoas que lhe trarão alegrias, amores momentâneos e, se forem mais intensos, do que tudo aquilo que seu parceiro sente por você, uma hora ou outra ele vai embora. Não seria mais fácil, ao invés de ficar controlando o parceiro para ele não fugir, aproveitar a alegria que ele lhe proporciona quando estão juntos? Como uma força contrária, o desprendimento também requer construção. E já que não respondi a pergunta ainda se faz pertinente: o que ganhamos com este amor romântico que transforma as pessoas em posses?

Para responder esta questão tenho de ir ao outro lado da moeda. Até agora falei do outro na relação, da forma de aprisionamento deste que tem no amor romântico proustiano. Hora de falar do si mesmo. Todas as possibilidades que podem acontecer com seu parceiro e é disso que você tem medo também podem acontecer com você. Quem garante se amanhã você não vai encontrar a sua mulher ideal (pra muitos é aquela fogosa que quer transar todos os dias – pena que grande parte dos homens ainda não leu Eros e a Civilização de Marcuse)? Quem garante que o seu namoro de sete anos pode acabar quando você encontrar um homem que te entende antes de você falar alguma coisa? Fato é que não tememos somente a contingência (a incerteza) no outro, a contingência que mais preocupa o indivíduo é aquela que está sempre escondida atrás da cortina chamada desejo. Ahhh… finalmente um avanço. O homem sempre se percebe num paradoxo, ele não sabe se olha o que está atrás da cortina ou se fica deitado na cama esperando a vida passar. O problema é que vai ter sempre uma intuição dentro do seu corpo pedindo para se levantar e olhar o que está por detrás. Há sempre uma vontade de viver os desejos que está lutando com a negação da própria vontade. Só um alerta, o fato de querer se encorajar e resolver ir atrás da sua vontade, tal ação nunca pode ser classificada como boa ou ruim, pois o desfecho é a consequência e não o que motiva a ação. Mesmo porque se o homem for analisar a consequência, nunca mais vai querer sair do casulo, pois a quantidade de vezes que se dá mal é muito maior. Recentemente eu escrevi o seguinte: se queres paz corra pra bem longe dos teus desejos. É claro que este lema não serve pra vida toda, uma hora vai chegar um momento em que vai é querer fugir da monotonia da paz, a fotografia em preto e branco nem sempre é arte. Portanto, o aprisionamento do outro na relação de amor moderno serve como um véu para que não perceba o aprisionamento de si. O farol emite luz para um ponto determinado, enquanto mira no outro para encontrar um caminho lá, se esquece da escuridão de si, sua obscuridade não é o que interessa. Cuidar da vida do outro é uma das formas mais utilizadas pelo ser como negação da sua própria vontade. Colocar os outros como as coisas mais importantes na vida do eu não é um ato de bondade, mas uma forma de não enfrentar a si mesmo, quem não tem medo de dançar no escuro? Na civilização moderna o homem troca o amor real por um amor tranquilo. Certo, já deu para entender o ganho individual que se imagina ter com o amor romântico, mas é óbvio que existe outro, ainda mais oculto: quem além do indivíduo pode sair ganhando na conservação deste tipo de amor?

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Volto a citar o livro Eros e a civilização, livro do filósofo alemão Hebert Marcuse de 1955. Fora as explicações da psicanálise de Freud (nada contra, só que afirmar que Freud foi o “pai da psicanálise”, é ignorar Antífon, Lucrécio, Epicuro, Spinoza, Rimbaud, Schopenhauer, Stirner entre outros autores que a psicanálise no Brasil pouco aborda. A palavra pode ser nova com Freud, mas o estudo do qual se apropriou é milenar); enfim, esta obra do alemão traz um conceito muito importante para entender o ganho social da repressão do desejo, um ganho que não é pessoal nem pensado para uma coletividade, uma sociedade, mas sim, para uma ideologia dominante. Marcuse era da Escola de Frankfurt, onde diversos intelectuais estudavam e criavam análises marxistas para entender diversos campos sociais. O próprio título do livro já traz uma dica, Eros é o deus do amor da mitologia greco-romana, é o famoso cupido que com suas flechas sai despertando o desejo entre os homens. Então o título da obra pode ser traduzido como as paixões (os prazeres) e a civilização, ou seja, sobre qual é a relação entre os sentimentos e sensações e a sociedade. Quem está por trás do entendimento das sensações que chegam? Marcuse faz uma análise muito legal das paixões com o trabalho alegando que a atividade, a disciplina, a servidão no trabalho, existem para reprimir as paixões. Um exemplo aqui se faz importante: imagine um casal, o rapaz bonito, chama atenção por onde passa, a mulher belíssima, lábios carnudos e com um corpo escultural, ambos trabalham o dia todo, têm três filhos e não possuem ninguém para ajudar com as tarefas de casa. Chega quarta-feira, meio da semana, no período da manhã, eles tinham comentado enquanto faziam café para transarem à noite, já que o filho menor, que requer mais atenção iria dormir na casa do avô. Passam o dia trocando mensagens, posts de sacanagem para dar aquele clima, saem às seis horas pegam os outros dois filhos no inglês às seis e meia, passam no supermercado antes de ir pra casa, quando chegam, ela vai fazer o jantar e ele vai varrer e arrumar a casa, onze da noite as crianças já estão dormindo, ambos abrem uma cerveja e onze e quinze estão na cama sem emitirem sons ou gemidos, o cansaço do dia falou mais alto que o prazer da transa que iria ainda pedir mais energia do casal. Isso quer dizer que o trabalho e a correria do dia a dia disciplina os corpos e acabam retendo muitos desejos. Onde entra o amor romântico nesta? O amor convencional, este idealizado pelo sistema dominante para disciplinar a mente. O corpo cansado não produz, uma consciência mal consciente também afeta o corpo, pode deixa-lo doente. Por isso, a ideia de casamento, de constituir família, de ser feliz para sempre, tudo isso funciona como uma recompensa que nunca chega daquele corpo já reprimido pelo trabalho. O casal do exemplo citado transa bem menos do que poderia, vive bem menos do que poderia, mas possuem uma relação sólida e garantida. Quando o homem tiver que obter prazer, não pode ser algo que ainda despenda muito trabalho físico e emocional, é só virar para o lado que a sua mulher está pronta para lhe dar o pouco prazer que precisa para ter a esperança de uma boa vida e, com isso, continuar vivendo uma vida pouca. O amor romântico gera uma estabilidade, não de permanência do casal, eles podem se separar a qualquer momento, mas uma estabilidade na esperança de uma vida melhor, onde os gastos de consumo são maiores e mais sólidos. Afinal… quando se casa se quer casa!!!

 

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*Thiago Quinteiro é jornalista e filósofo. 

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