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No início, uma afirmação: o domínio não é dos homens ou de instituições. A opressão galopa sob os ideais, as representações sufocam o vazio da realidade.

O que é a realidade? O que importa na vida de um homem, o que ele quer ser ou o que é? Porque se disser que a verdade de si está no seu agora, há uma obviedade difícil de ser questionada, mas, por que então a cada meta alcançada você continua sonhando? Que conforto é este tão procurado, que muitas vezes vale mais do que aquilo que foi alcançado? Por que procura sem ao menos se perguntar se já foi encontrado? O que escrevo não é um livro, é um experimento de algo que não sei se já foi dito assim, como quero trabalhar aqui. Fato é que, se temos infinitas perguntas, é porque esperamos determinadas respostas.

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Tenho certeza que nas divagações que pra mim são pulsantes vai escorrer sangue de grandes autores que significam a minha vida como Lucrécio, Epicuro, Montaigne, Espinosa, Stirner, Nietzsche, Sorel, Deleuze e, claro, Onfray, e tantos outros. Cito-os à medida que fortaleço meu conceito, aquilo que venho não só acreditando, mas lutando pra viver, brigando comigo mesmo, com anos de um moral imposta pela sociedade. Não quero aqui me vitimizar com este discursinho fajuto, a moral foi arremessada na minha cara e eu a peguei por achar mais cômodo. Afinal, quando um atacante vê a bola chegando através de um lindo lançamento, o que ele pretende fazer é dominar a pelota e avançar até o gol adversário, para ser aceito pela torcida que está aplaudindo a esta grande partida, porque até chegar o próximo jogo, o mais importante é sempre aquela que está em andamento.

E isso cabe a você também, não adianta se achar vítima de uma sociedade opressora, ler pensadores e filósofos para chegar à conclusão de que há sempre alguém para culpar que está além de si mesmo. Já que na nossa cultura o futebol é uma paixão (coisa de corpo), é sempre bom para exemplificar: é você o atacante que está ali jogado para pegar aquele lançamento. Sua consciência, através da sua visão periférica, já lhe informou que o zagueiro está se aproximando e, à medida que a bola se aproxima (um ou dois segundos até bater na grama), já foi suficiente para sua consciência te trazer a solução que é aplicada em seguida, no domínio da bola, ao levá-la para sua frente, você já tirou o zagueiro da jogada e milésimos de segundos antes de pegar na bola pela segunda vez, a consciência utilizando de sentidos como visão e audição já percebeu que o goleiro está se aproximando. Você ainda fica na dúvida, dar mais um toque no sentido contrário da direção da bola para tirar o goleiro da jogada ou já bater para não dar chance ao adversário. Nestes poucos segundos, você ainda faz uma análise do placar, está zero a zero, segundo tempo de partida, a vitória é muito importante para a evolução do time no campeonato, nenhum erro pode acontecer. Pela sua experiência, a probabilidade de dar mais certo é chutando antes do goleiro chegar e você também já percebeu que isso vai mesmo acontecer, então agora com o pé quase tocando a bola, você decide chutar e marcar o gol da vitória do seu time. Neste lance, nesta jogada até culminar no gol, houve um trabalho árduo do seu corpo percebendo, da sua consciência tomando decisões, sempre baseadas em experiências já vividas, tendo de escolher entre o gol mais bonito ou o mais eficiente, para a ação depois ser realizada pelo próprio corpo. Como é árduo o movimento do corpo e o quanto reflete a consciência para se chegar numa conclusão desejada. E o que os jogadores costumam fazer quando são perguntados sobre como ele conseguiu fazer determinado gol?

No entanto, existe um atacante capaz de fazer esta análise e o repórter finalmente chega neste lúcido homem e faz esta mesma pergunta (aliás, os jornalistas têm a mania de fazerem sempre as mesmas perguntas, só que de formas diferentes… hilário), a possibilidade do repórter se entediar com a resposta é absurdamente grande. Daí a resposta básica de quem agiu pelas sensações que chegaram e não tem a mínima noção do trabalho que sua consciência teve, pois a intuição é sempre mais marcante e  responde assim: fui feliz na finalização, graças a Deus eu fiz o gol da vitória.

É comum o indivíduo não conseguir explicar as suas ações. Daí é legal lembrar de uma frase do maior poeta de todos os tempos, Rimbaud: a rosa não tem porquê. Esta afirmação é como um tapa na cara de um cientista alucinado em querer explicar todas as ações e reações mundanas, humanas na sociedade ou naturais, de Freud a Hawking. Muitos fenômenos (toda relação do sujeito com qualquer objeto e com outro sujeito é identificada como fenômeno por muitos filósofos modernos) são misteriosos, não estão na claridade, na luz, estão na escuridão. Ou o homem tenta explicar seus desejos pela ciência ou os deixam adormecidos através da religião. A ideia aqui é trabalhar com o mal da civilização, o mal da explicação.

O problema do homem moderno (não acredito em pós-modernidade ou contemporaneidade) está na dificuldade de lidar com a escuridão. É possível hoje até mesmo definir a composição de um buraco negro que está a anos luz de distância. Ora, se isso pode ser analisado, não deve ser difícil explicar por que Marcel Proust escreveu o maior livro da história (Em Busca do Tempo Perdido), por que Dolores traiu seu marido lindo e rico com o jardineiro, por que João largou a faculdade de física para morar num vilarejo em Portugal. A situação fica ainda mais complicada quando tentamos entender as nossas sensações e ainda mais complexa quando se chega aos desejos, ao próprio querer. Quando o desejo é um querer aceito na sociedade ainda é mais tranquilo, agora desejar a mulher do seu melhor amigo, ou uma mulher ter desejo louco pelo seu cunhado, ou outra querer transar com dois homens, nossa, nestes casos, normalmente o desejo é reprimido, adormecido.

Quando se deseja algo que está fora do conceito moral, primeiro o indivíduo se questiona, se culpa, se castiga, onde já se viu uma mulher, mãe de dois filhos, bem sucedida profissionalmente, querer transar com seu psicólogo e o irmão dele juntos? Automaticamente, ela vai se achar uma vadia. Outro fator importante é como o desejo vai se solidificando com as experiências que vem de fora. No caso desta mulher, a situação se enrola um pouco mais, ela percebe que o seu psicanalista está flertando com ela. Já é o primeiro sinal de que o seu desejo pode ser realizado, concretizado. Mas o desejo dela não é só ter o profissional que conhece muito da sua mente, ela quer também o irmão, o desejo dela é fazer sexo oral enquanto é penetrada, esta é a graça deste desejo com seu psicanalista. Se a mulher tomar coragem depois de diversas investidas do cara, propuser o seu desejo, eles toparem e a ação acontecer, existe ainda uma grande possibilidade de se sentir culpada, principalmente se a experiência não for tão boa assim. Quanto maior a felicidade do momento do desejo alcançado, menor a possibilidade do arrependimento. Portanto, se for realizar um desejo que está fora do alcance da moral, faça valer a pena, aproveite e contemple ao máximo, para que o arrependimento seja o menor possível, pra que você tenha somente a frustação de um desejo alcançado, moral propulsora para ter outro desejo.

Depois dos irmãos, a mulher sentiu desejo de transar com uma grande amiga e seu namorado. Assim vai, a cada desejo alcançado vem a felicidade de momentos, a acomodação de instantes, o tédio do querer conquistado e o surgimento de outro desejo que causará uma angústia, um sofrimento, até ser alcançado. Isso acontece com qualquer relação com todos os objetos. Um homem queria comer um cachorro quente, no outro dia uma pizza, no outro pegar a mulher do chefe e no outro dia sentiu desejo pela sua esposa. Assim a vida vai acontecendo.

Todo este esquema ou espiral serve para lembrar que nós perdemos muito tempo tentando explicar os nossos desejos. Talvez esta seja a forma mais comum de reprimir os desejos, isso no inconsciente que está totalmente dominado pela moral. Muita vezes, o homem não quer ter a consciência de ser um cordeirinho, uma ovelha no rebanho da moralidade, por isso a ciência, a explicação dos porquês.

A ciência é uma forma aparente de se explicar o porquê de todos os sentimentos, afecções e desejos para que, de fato, haja uma limitação do desejo vivido. Se um homem tem um desejo louco de transar com a cunhada, sentimento contra a moral, vai até um psicanalista que irá ouvi-lo e vai querer saber principalmente da relação deste “doente” com seus familiares, vai aplicar o complexo de Édipo e dizer que este desejo pela cunhada está relacionado com a relação com o feminino, no símbolo da sua mãe, figura na qual ele tem uma verdadeira admiração. Sempre compara as mulheres com quem ele sai com sua mãe e nenhuma é igual, nenhuma o trata da mesma forma que a mãe, a única que faz isso, veja só, é a sua cunhada, daí a fixação. O psicanalista trabalha a relação do homem com sua mãe para resolver o problema dele com a cunhada e assim o desejo é anulado. Acho mais fácil acreditar na varinha mágica do Harry Potter do que nesta resolução. O que na verdade aconteceu foi que a ciência da psicanálise trouxe uma explicação para a sensação, para o tesão sentido, e quando o homem tem esta informação, ele trabalha de forma mais perspicaz com seu entendimento (que tem como princípio a razão) e consegue deixar seu desejo adormecido. Ocorre que outras explicações podem vir de infinitas áreas do conhecimento. O homem do século XXI é este que está o tempo todo buscando respostas aos seus desejos, por isso temos blogueiros, youtubers e coaching fazendo tanto sucesso mundo afora.

Para finalizar e não me estender mais ainda, vale a pena voltar a um pensador muito importante que dá um chute na canela de todo mundo, Friedrich Nietzsche. A sua maior grande obra “Assim Falava Zaratustra”, mostra o personagem no início procurando e alcançando a luz, o esclarecimento, o entendimento de todas as coisas, como aquele que tem resposta para tudo. Depois Zaratustra descobre que na claridade não se vive, que não tem como enxergar ali, há uma cegueira branca (referência a Saramago e ao livro “Ensaio sobre a cegueira”), na luz a moral te vê, te monitora e não tem como ser você mesmo. Daí, na terceira parte Zaratustra começa de fato a dançar e é na noite que isso pode acontecer, é na escuridão, onde não tem ninguém vigiando, que se consegue ser si mesmo, onde se consegue viver todos os desejos, onde de fato pode encontrar a felicidade. Ao invés de perguntar o porquê da existência da rosa, não seria melhor cheirá-la e sentir todo o seu aroma? Quanto mais se explica, menos se vive.

*Thiago Quinteiro é jornalista e filósofo.