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Minha casa estava localizada na parte mais alta da cidade, ao lado da igreja matriz. Ventava muito ali. Fato que trazia em si algumas vantagens. Durante o verão, nas noites extremamente quentes, as janelas do segundo andar da casa permaneciam abertas, recebendo grande quantidade do ar fresco que era trazido pelas brisas noturnas. 

Mas, por outro lado, quando as tempestades de início e fim da estação das chuvas despencavam, eram sentidas com mais intensidade ali naquelas partes mais altas da cidade. As nuvens se juntavam lá pelos lados do por do sol, com pequenas variações de posição, formando grandes cúmulos assustadores. 

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Após poucos minutos de ensaio, despencavam ruidosamente, movendo telhados e galhos das árvores, espalhando-os pelas proximidades. Tinha cerca de oito anos de idade quando me mudei para aquele endereço. No começo fiquei muito assustado com as tempestades. 

Mas logo me acostumei e, sinceramente, adorava ver a chuva se formar no horizonte e ir tomando forma até virar a tempestade de verão. Ficava muito tempo vendo os raios riscando os céus ao longe, um esplendoroso espetáculo da natureza. 

Isso de ficar admirando raios era coisa que meus amigos achavam estranho. Exatamente porque todos tinham medo desse fenômeno. Alguns nem gostavam de olhar para eles. Mas eu sempre dizia que também tinha medo, apesar de achar inútil este sentimento. 

Se estivermos no caminho de um raio, não vai adiantar nada ter ou não ter medo. Se ele nos atingir, não teremos tempo de ver o que está acontecendo. Se morrermos, só saberemos disso se realmente existir outra vida além dessa, coisa pouco provável. 

Ainda assim a maioria das pessoas têm medo de chuva. E “morre” de medo de raios e trovões. Eu gostava de ver os raios ao longe, mas quando eles se aproximavam eu procurava me abrigar devidamente, colocando-me a salvo de qualquer acidente.  

Enfim, esse foi o cenário em que passei parte da infância e toda a adolescência. Geralmente antes dessas tempestades de verão vinha um imensa ventania que fazia das suas. Bagunçava tudo por onde passava. Chegava até a arrancar telhados de algumas casas que encontrava pelo caminho. 

E essa forte rajada de vento tinha nome: era a ventania do João Borges. O nome fazia referência a um senhor conhecido como feiticeiro e que, segundo a crença geral, tinha a habilidade de manipular as tempestades. De acordo com o que se dizia na época, ele atraia essas chuvas para a cidade, quando lhe dava na telha. E também as afastava, conforme sua inexplicável vontade. Sempre precedidas pela ventania.    

Eu confesso, aqui entre nós, que morria de inveja dele. Também queria dominar os ventos e as chuvas. Sonhava em ser um feiticeiro poderoso, capaz de dominar os elementos. Ao mesmo tempo, morria de medo da feitiçaria e das suas possibilidades. 

Andei pesquisando para aprender a atrair ou afastar as tempestades e, principalmente, para benzer a chuva e deslocá-la de um lado para outro. Consegui aprender umas rezas bravas que prometiam fazer isso com eficiência, mas não contei pra ninguém.  

É que não deu muito certo, não. Eu mandava a chuva para um lado e ela ia pra outro. Mandava pro outro e ela ia pro um. Apurei logo que chuva, formada por água, é um elemento muito desobediente. Imagina o fogo… e o ar, ein? 

Antes de aprender a dominar pelo menos uma simples ventania, descobri rapidamente a minha falta de aptidão para a feitiçaria. Ou talvez fosse só questão de insistir. Dizem que no começo a feitiçaria não é muito amiga do feiticeiro, tentando a todo custo escapar do seu domínio. Ainda assim, depois dos vários percalços acontecidos, pensei:  não vou pagar pra ver. 

Por via das imensas dúvidas, resolvi deixar de lado minhas lições autodidatas de magia. Fiquei só com a minha paixão pelos raios. Desisti completamente de tentar dominá-los e só quero mesmo admirá-los pelo resto da minha vidinha pouco recomendável.  

De longe.  Bem de longe.

*José Nário é escritor, engenheiro florestal, especialista em Informática na Educação e Gestão Ambiental e autor dos livros “Lelezinho, o pintinho que ciscava pra frente e andava pra trás”, “Lelezinho vai à escola” e “Minha janela para o nascente”.