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Poços de Caldas

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Ensaios da vida ordinária – Faltou luz, e agora? 

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O sol já descansava ao horizonte, enquanto os tic-tacs do relógio da parede da cozinha registravam quinze pras oito da noite, fenômeno só possível nestes dias quentes de verão, quando estes são bem longos, amanhecem bem cedo e anoitecem bem tarde. Assim como o sol, já descansávamos. Não ao horizonte, mas sob o confortável sofá, que ironicamente adquirimos para descansar dos dias intensos de trabalho e cansaço, que vencemos para juntar o dinheiro necessário para adquirir o sofá. Esta parece ser mesmo a tônica da vida adulta. Vejam que contradição: se cansar para comprar o descanso.  

Enfim, na hora de descansar, diante da TV que transmitia as ficções que utilizamos diariamente pra esquecer-nos da monotonia de nossas vidas comuns, faltou luz. E agora?  

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Já quase não havia luz natural, apenas resquícios de claridade, que já se esvaíam diante de nossos olhos fatigados pelo sol e pela exaustão. O primeiro movimento, quase como um reflexo, foi o de pegar o smartphone e ligar sua lanterna. Tentativa frustrada: sua bateria estava tão cansada quanto os nossos olhos ou o sol. Precisaria repor suas energias para cumprir tal tarefa. Mas onde? Tomadas sem eletricidade são como a maioria dos políticos: não servem pra nada. 

Não tínhamos velas. Ora, com toda essa tecnologia, quem guardaria velas em casa, para utilizá-las quando falta luz? Isso é coisa do século passado. Tampouco havia internet, ou rede de telefonia. Roteadores e torres de celular, sem luz para alimentá-los, são tão inúteis quanto.  

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Nada mais havia, senão o velho escuro de sempre, e a velha interação humana face a face de sempre. Estranhamente, isso foi desconfortante ao extremo. Um vazio, um nada para fazer, um tédio forçado, um silêncio que doía os ouvidos. O ser humano viveu por milênios no escuro e interagindo entre si. De pouquíssimos anos pra cá, perdemos essa habilidade. Quando foi que nos perdemos em nossas próprias invenções? Lembrei-me de uma ocasião na qual a falta da luz resultou em falta de água, uma vez que as bombas de água da rua pararam de funcionar. Sem luz, sem telefone, sem internet, sem televisão, sem água. Um completo caos. O que seria de nós se faltasse luz, indefinidamente? O apocalipse não esta distante.  

Em pouco tempo, a luz voltou ao normal. Igualmente, nossas vidas também. Fomos dormir tranquilos, tudo voltara ao normal, exceto essa estranha sensação de total dependência e escravidão, em algo que inventamos e nem sequer nos damos conta. Seria nossa liberdade apenas uma fantasia?  

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Já em sono profundo, sonhei com a letra daquele rock: 

Faltou luz mas era dia
O sol invadiu a sala
Fez da TV um espelho
Refletindo o que a gente esquecia 

Faltou luz mas era dia dia
O som das crianças brincando nas ruas
Como se fosse um quintal
A cerveja gelada na esquina
Como se espantasse o mal 

Um chá pra curar esta azia
Um bom chá pra curar esta azia 

Todas as ciências
De baixa tecnologia
Todas as cores escondidas
Nas nuvens da rotina 

Pra gente ver
Por entre os prédios e nós
Pra gente ver
O que sobrou do céu 

*Anderson Loro é psicólogo e músico. Como psicólogo, atua em clínica particular e no serviço público pela Prefeitura de Poços de Caldas, com pessoas em situação de rua e com grupos de homens denunciados por meio da Lei Maria da Penha. Como músico, atua em diversos grupos, dentre eles a Banda Capitão Vinil.

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