Céus acinzentados são os mais charmosos. Pra que pintar de azul um cinza que beira a perfeição?
Admiro tudo que é cinza, e se há algum cinza que não admiro é porque já havia sido outra cor e se vestiu de cinza apenas para me atrair. Como aquilo que o fogo transforma, outrora cores quentes ou frias, também atraentes, mas que precisaram arder no fogo para se transmutarem em cinzas intrigantes e misteriosas. Assim somos nós: calejados de tentar obter atenção naquilo que salta aos olhos, acabamos por nos entregar ao discreto que nos legitima.
Verdes e vermelhos nunca fizeram sentido aos meus olhos e à minha mente. Eis como entendemos o semáforo: verde, SIGA; amarelo, ATENÇÃO; vermelho, PARE! Se houvesse um cinza, a indicação seria “SEJA”! Pois cinzas não obedecem ordem, são o que são. Não há definição ou imposição às cinzas. Voam pra onde o vento leva, sem soberba ou culpa, sem caminho ou destino. Apenas são. “É preciso ter massa cinzenta”, diria o outro. Não à toa, os cinzas do corpo humano determinam inteligência e destreza. Nós humanos temos mais massa cinzenta que todas as outras espécies do nosso pequeno e jovem planeta. Mentes cinzas retratam o que somos, o âmago de nossa existência.
Sendo eu um profundo admirador do cinza, percebo que habita vida nesta cor. Entendo o porquê de todos os outros matizes da aquarela: existem para realçarem o gris. Sem outras cores, não existiria o gris. Este gris que, trazido por nuvens carregadas de água e vida, tinge o dia claro de tons obscuros. Este gris que, trazido pela lua que ilumina a noite, cobre o mundo de tinta anti-trevas. Esta cor que nos mostra sua beleza de formas oblíquas, não diretas. Não precisa ostentar, esconde tudo o que há de belo para que apenas os mais sensíveis consigam enxergar.
Não me importo – e não poderia ser mais sincero – em não enxergar tons corriqueiros para a maioria. Eu não sou a maioria, nunca desejei ser. Por isso não os enxergo. Assim, provavelmente por façanha divina, fui abençoado com uma inabilidade: sou privado de enxergar cores demais. Isso seria um problema, se eu não soubesse que me foi dado um dom de enxergar no cinza a beleza que quase ninguém enxerga. Ora, ver toda gama de cores é para muitos. Extrair do cinza o que há de mais belo é para poucos.
*Anderson Loro é psicólogo e músico. Como psicólogo, atua em clínica particular, e no serviço público pela Prefeitura de Poços de Caldas, com pessoas em situação de rua e com grupos de homens denunciados por meio da Lei Maria da Penha. Como músico, atua em diversos grupos, dentre eles a Banda Capitão Vinil.