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Era um fim de tarde de um dia chuvoso e escuro. Eu passava de carro pela periferia de uma cidade da região central do nosso Estado de Minas Gerais. Através do vidro salpicado de gotinhas da janela lateral, minha visão periférica captou uma imagem que o cérebro imediatamente classificou como estranha e um tanto inconcebível. Num cantinho da minha mente a curiosidade foi acionada. Eu virei a cabeça para olhar e realmente lá estava ele: um cachorro sobre o telhado de uma casa.

Movido pela bisbilhotice congênita, estacionei o carro rapidamente para observar a cena. O cachorro estava parado bem sobre a cumeeira da casa e olhava para os lados atentamente, como se tivesse que tomar uma decisão sobre o que fazer. Aparentemente estava indeciso. No entanto, só a cabeça se movia. O restante do corpo permanecia imóvel.

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A presença de gatos no telhado, fato que testemunhamos cotidianamente, é algo muito comum. Mas cachorro…

Pensei que, talvez devido à chuva, ele estivesse com medo de enchente, em razão de algum trauma do passado. Porém, observando detidamente, notei que estávamos no topo de uma colina e não havia nenhum curso d’água nas proximidades. Apesar da chuva constante, constatei, não havia nenhum perigo de alagamento.

Pois é, certas cenas, por contrariar o senso comum, nos deixam desconcertados. Um cachorro instalado sobre o telhado de uma casa é um bom exemplo. O primeiro pensamento que vem é: como é que esse bicho foi parar lá em cima?

Voando, não foi. Tenho certeza. Caído do céu de paraquedas? De carona com o Super-Homem ou com o Homem Aranha? Abduzido e devolvido sobre o telhado? Embora pouco provável, o cão poderia ser adepto da escalada, esporte cada dia mais popular entre os humanos. Ou ele poderia simplesmente ter sido colocado ali pelo dono, maldosamente, como castigo por alguma traquinagem tipicamente canina.

Quantas hipóteses absurdas poderíamos desenvolver sem chegar a nenhum resultado satisfatório, capazes de explicar minimamente aquela cena estranha? Diversas. Muitas e variadas. No entanto, sem conhecer a verdade, era impossível adivinhar como o cão havia se instalado lá na parte mais alta da casa, contrariando todas as regras do bom senso.

Uma verdadeira incógnita…

Bem, esses preâmbulos servem somente para exemplificar a esquisitice que toma conta dos tempos atuais. Um cachorro no telhado seguramente é algo bastante estranho. Embora todos saibamos que o Brasil é um lugar surreal, assim como o restante da América Latina, e tudo pode acontecer por aqui. E, sem dúvida, vêm acontecendo coisas bem estranhas.

A situação política no país é uma boa amostra do que quero dizer. Confrontos exaltados acontecem nas ruas e nas redes sociais, com as pessoas defendendo ferrenhamente pontos de vista totalmente ultrapassados, para não dizer esdrúxulos. Ideias velhas e ineficientes, num grande exemplo de reciclagem equivocada e prejudicial.

Mais uma vez os candidatos, e principalmente o povo, se eximem de discutir as verdadeiras necessidades da nação para investir em receitas vencidas e mofadas, fora do tempo e da realidade. Absurdamente, em plena era da informação, a eleição mais importante do país, aquela que define o futuro do povo como um todo, vai ser decidida pela desinformação.

Uma das coisas positivas dos tempos atuais, a informação instantânea e acessível para todos, através da internet e das redes sociais, ao contrário de servir para conectar as pessoas de forma construtiva, vem sendo usada para cultivar e disseminar a ignorância, manipulando maquiavelicamente a opinião pública.

E o povo aceita placidamente essa imposição, participando ativamente do festival de mentiras e acobertamentos. Um jogo absurdo que só tem um perdedor: o próprio povo. O que é mais incrível, é que a justiça mostra-se tão surpresa que não sabe o que fazer para coibir essas práticas. Ou faz de conta que não sabe. Só dizem que está tudo sob controle. Mas não está. Aconteceu um descompasso na utilização da internet e as consequências nós veremos depois.

Mas o final dessa triste história, todos nós já conhecemos. Independentemente do resultado das eleições, serão mais quatro anos de arrependimentos para os eleitores estupidamente manipulados e muitos anos de atraso para o país.

Ah, você certamente quer saber o final da história do cachorro, o que aconteceu com ele… Pelo menos pra ele aconteceu um final feliz: quando saí de lá os bombeiros estavam chegando realizar o resgate.

*José Nário é escritor, engenheiro florestal, especialista em Informática na Educação e Gestão Ambiental e autor dos livros “Lelezinho, o pintinho que ciscava pra frente e andava pra trás”, “Lelezinho vai à escola” e “Minha janela para o nascente”.