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Caros amigos e leitores, na última coluna falei um pouco sobre a campanha de prevenção ao suicídio que acontece no mês de setembro. Tratei, por exemplo, da necessidade de acolher e tentar entender o sofrimento do outro, sem fazer uso de julgamentos ou preconcepções. Tratei também da importância de expor o nosso sofrimento, de falar sobre o que nos angustia, permitindo também que o outro tome conhecimento e se solidarize conosco. Podemos entender, pois, que o diálogo é necessário e fundamental. Não há forma de compreender o outro sem que haja um diálogo empático. Como o tema é muito amplo, podemos explorá-lo um pouco mais, ainda que de forma muito resumida, pois se trata de uma questão que exige diálogo e estudos contínuos.

Porém, para compreender melhor o fenômeno, também é preciso analisar o contexto social, histórico e cultural no qual nos encontramos. E, a partir daí, identificar alguns fatores de risco, para então pensarmos em prevenção em larga escala. Tentaremos, minimamente, propor algumas reflexões.

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Algumas parcelas da população parecem estar mais propensas a ideações suicidas e ao suicídio em si, conforme nos mostram dados estatísticos e de pesquisas pelo Brasil e pelo mundo. Constata-se, por exemplo, que 79% dos suicídios no Brasil são cometidos por homens. Porém, em termos de tentativas de cometer suicídio, a porcentagem é maior entre as mulheres. Ou seja, mais mulheres tentam, porém mais homens conseguem. Isso pode nos dar a ideia de que homens são menos inclinados a procurar ajuda, uma vez que o número de mulheres que procuram ajuda profissional é bem maior. Podemos dizer que a população masculina é mais “orgulhosa” neste sentido, levando-se em consideração, inclusive, o contexto histórico/cultural de machismo e paternalismo no qual nos encontramos. É muito comum ouvir de homens falas como: “Depressão é coisa de mulher”, “Não vou no médico pra não achar doenças”, “Psicólogo e coisa de louco ou de gente fresca”. Estas frases e pensamentos são consequências de heranças deste contexto histórico/cultural, no qual o homem necessita de ser viril, e qualquer coisa que possa vir a fragilizar sua virilidade deve ser desconsiderada ou recalcada. Portanto, procurar ajuda e reconhecer-se insuficiente diante da própria autoimagem seria considerado um afronte à sua masculinidade. Devo informar que isto não é saudável e sim perigoso, pois é sabido que grande parte dos homens que cometeram suicídio jamais havia procurado ajuda profissional ou sequer conversado com algum familiar sobre seu sofrimento. Somada a isso, existe também a hipótese de que os meios utilizados pelos homens são mais letais, como por exemplo armas de fogo ou enforcamento (hipótese que também pode ser relacionada ao contexto de maior violência entre homens do que entre mulheres). Isso acaba gerando esse número espantosamente maior de suicídios entre o sexo masculino.

Já as mulheres, em geral, tendem a ser mais cuidadosas e sensíveis quanto a essas questões. Há um grande e crescente número de mulheres que fizeram tentativas de suicídio – ou mesmo daquelas que tem ou já tiveram alguma ideação suicida – que hoje passam por acompanhamento psicológico e psiquiátrico, e conseguem levar uma vida normal. Não sem preocupações, pois todos as temos, mas ao menos sem maiores sofrimentos.

Percebe-se, porém, segundo os dados estatísticos, que entre as mulheres os maiores índices de suicídio se dão na fase da adolescência/juventude. Neste caso, as hipóteses consideram as questões existenciais da própria adolescência como sendo uma fase de transição, na qual as coisas passam a não serem tão simples quanto eram até então. As tentativas e expectativas de se encaixar em algum grupo social podem ser demasiadamente frustrantes se não correspondidas. E isso gera angústias que aos adultos parecem coisa boba, mas não são. Alia-se a isso os padrões de beleza “determinados” pela sociedade, que cobra muito mais das mulheres do que dos homens sobre uma forma ideal de ser, de se vestir, de se comportar. Quem não se encaixa nesses padrões está de fora. Isso também pode ser muito angustiante para as adolescentes que tentam estar em algum grupo social, mas que não se encaixam nestes padrões, passando a ser excluídas ou vítimas de preconceitos e bullying. Mais uma vez, o diálogo entre pais e/ou familiares é fundamental.

Os dados nos mostram também que entre a população idosa há maior índice de suicídios e tentativas de suicídio do que a média de outras faixas etárias. Alguns fatores podem estar relacionados com este índice, como o comprometimento da saúde de forma geral e a proximidade da morte, o que traz questionamentos existenciais, angústias e frustrações, que podem levar uma pessoa a atentar contra a própria vida. Tais questionamentos nos apontam outros tabus, para além do suicídio: doença, solidão, morte. Todos estes temas não são discutidos na nossa sociedade como deveriam ser. Além disso, pode haver também na população idosa uma angústia perante a falta de produtividade, a não sentir-se útil diante da sociedade. Estas questões são consequências da concepção social capitalista na qual estamos inseridos, onde só tem valor que produz, quem tem algo a oferecer. Não é raro ver alguém que trabalhou a vida inteira esperando para se aposentar, sentir-se triste e desanimado após consegui-la. Isso porque, aos olhos do mercado, este fulano não tem mais valor. É preciso ter a ciência de que o capitalismo tem gerado novas crises, novos sofrimentos, novas patologias. Aqui lanço uma reflexão: existe, na nossa sociedade, algo que tenha mais valor que o dinheiro? Se sim, acho interessante praticarmos mais desse algo.

Obviamente, como eu já havia dito, é um tema muito amplo, muito vasto. Tentei trazer algumas reflexões para estarmos mais atentos a alguns sinais que levam determinada pessoa a ter uma ideação suicida, mas claro que o tema vai para muito além do pouco aqui exposto. Penso que se nos interessarmos e conversarmos sobre o tema já é um ótimo começo. Precisamos cuidar mais da nossa sociedade, não é de hoje. E repito, quando falo de sociedade, falo de nós mesmos. Até a próxima!

*Anderson é psicólogo e músico. Como psicólogo, atua em clínica particular, e no serviço público pela Prefeitura de Poços de Caldas, com pessoas em situação de rua e com grupos de homens denunciados por meio da Lei Maria da Penha. Como músico, atua em diversos grupos, dentre eles a Banda Capitão Vinil.