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O dia dois de setembro de 2018, bem próximo de outra data importante, entrou também – e tragicamente – para a história do Brasil. No início da noite daquele dia, praticamente todas as principais emissoras de TV mostraram, ao vivo, o incêndio que destruiu grande parte da memória do país. O Museu Nacional pegou fogo, queimando um dos acervos mais ricos do mundo.

E, principalmente, torrou uma boa quantia da nossa memória histórica. A quase totalidade do acervo de vinte milhões de itens, reunido durante os duzentos anos de vida do museu, virou cinza em poucas horas. A imensa e densa coluna de fumaça que subia das chamas mostrava, de forma contundente e bastante significativa, o descaso das autoridades para com o passado e com a história. Além, é claro, do grande valor científico de algumas coleções que haviam lá.

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Essa tragédia expôs claramente a situação de várias outras entidades semelhantes. Inclusive recentemente o Ministério Público Federal (MPF) pediu a interdição de seis outros museus federais, também sob risco. São eles: Museu da República, Museu Nacional de Belas Artes, Museu Histórico Nacional, Museu Villa-Lobos, Museu da Chácara do Céu e Museu do Açude. A interdição foi negada pela justiça federal. A juíza responsável pelo processo somente solicitou que sejam feitas inspeções rigorosas e a elaboração de laudos técnicos sobre a situação de cada um deles. Isso, é claro, não os livra do risco imediato.

Esse desastre só deixou mais evidente que a situação é catastrófica nessa e em outras áreas do governo federal. E ainda podem piorar. Porém, metaforicamente falando, o que tem me preocupado são outros tipos de chamas, aquelas que podem brotar espontaneamente nos campos político e social, antes e depois das eleições, chamuscando toda a sociedade. Seriam chamas muito mais perigosas, ameaçando o nosso futuro, semelhantemente àquelas que destruíram parte significativa do nosso passado no Museu Nacional.

As principais redes sociais utilizadas no Brasil, campo de batalha dos mais exaltados militantes políticos, estão repletas de mensagens estapafúrdias e rancorosas, traduzindo o radicalismo e a polarização que tomou conta do país. E, fato que fica evidente, parece que a propaganda sem regras dessas redes tem sido mais eficaz do que a divulgação oficial das propostas dos candidatos pelo horário eleitoral gratuito.

Nas redes sociais predominam as mentiras de todo tipo, contra e a favor dos candidatos. Calúnias e falsidades dominam as postagens sem nenhum controle. Tudo que não é permitido na propaganda de rádio e TV, acontece nas redes sociais, de forma abusiva. Destacadamente, a intolerância generalizada é livremente praticada e incentivada. Não sei como será o fim dessa história, mas confesso que a situação me deixa muito apreensivo.

As tais redes, que deveriam contribuir para o esclarecimento da população, e também incorporar os conceitos de capital social, têm feito exatamente o contrário. Estão repletas de notícias falsas, que contribuem tão somente para confundir os eleitores e distanciá-los do consenso. Principalmente porque grande parte dos usuários não tem o discernimento necessário para separar o que é verdadeiro do que é falso. E nem a capacidade de reconhecer isso, procurando ajuda para esclarecer suas dúvidas.

Contrariando o bom senso, o ambiente de confronto permanece estabelecido, podendo sobreviver perigosamente ao período eleitoral. Como exemplo marcante, tenho observado ameaças de um grupo de não aceitar outro resultado que não seja a vitória no pleito, colocando em dúvida a imparcialidade das urnas eletrônicas. Isso configura um total desrespeito à regras eleitorais vigentes e deixa evidente o autoritarismo do grupo em questão.

Dependendo do resultado das urnas, podemos entrever, no futuro próximo, o perigo de quebra da normalidade constitucional. Um pouco mais longe, no horizonte povoado de fumaça de rescaldo e nuvens ameaçadoras, podemos vislumbrar o surgimento daquelas chamas das quais falei anteriormente, que podem comprometer irremediavelmente o nosso destino.

*José Nário é escritor, engenheiro florestal, especialista em Informática na Educação e Gestão Ambiental e autor dos livros “Lelezinho, o pintinho que ciscava pra frente e andava pra trás”, “Lelezinho vai à escola” e “Minha janela para o nascente”.