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Foi com muita alegria que recebi o convite dos meus amigos do Poços Já para escrever esta coluna. Confesso que há tempos não pratico a escrita. É que ultimamente ando utilizando cada vez mais da linguagem visual para me expressar. Contudo, a liberdade de escolha dos temas me deixou à vontade e não há nada mais em que eu possa colaborar, que não fosse falar sobre comunicação. Sobretudo fotografia.

Diante do dilema de escolher o assunto deste primeiro texto, me ocorreu uma exposição imperdível que está em Poços já há algum tempo e fica em cartaz até 7 de outubro. Considero esta exposição obrigatória para quem fotografa, seja profissional ou amador, além de ser um agradável passeio cultural para os interessados pela arte e uma ótima oportunidade de apreciar e ler imagens. Se você ainda não viu, corre que ainda dá tempo!

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Modernidades fotográficas, 1940-1964 foi o nome escolhido pelo Instituto Moreira Salles para intitular a exposição que trata de um país em plena transformação e a caminho da modernidade, testemunhado pelo olhar de quatro grandes fotógrafos absolutamente distintos, com trajetórias importantes na história da fotografia brasileira: José Medeiros, Thomas Farkas, Marcel Goutherot e Hans Gunter Flieg.

A seleção das imagens remonta parte da história da fotografia no Brasil e foi elaborada em 2013 para o Museu da Fotografia de Berlim, que na época realizou uma série de exposições sobre a história da fotografia nas primeiras décadas que sucederam o fim da II Guerra Mundial. Em seguida, as fotografias passaram por Lisboa, Paris e Madri, antes de circularem pelo Brasil.

Embora tão distintos, estes quatro fotógrafos têm algo em comum. Todos são migrantes e saíram do seu ambiente de origem por alguma necessidade. Três deles são imigrantes europeus: o alemão Flieg, o húngaro Farkas e o francês Goutherot. Vieram para o Brasil encantados por um país atraente entre o final da II Guerra Mundial e o início da ditadura militar. O quarto fotógrafo é o brasileiro José Medeiros, que deixou o Piauí em busca de novos desafios no Rio de Janeiro.

O que eles registraram foi uma nação com economia em crescimento e industrialização massificada. Acompanharam o êxodo rural, a Marcha para o Oeste e o surgimento de novos movimentos artísticos e sociais. As diversidades entre os autores gerou grande variedade formal e estilística que pode ser facilmente revelada nas imagens.

O que se vê ao percorrer os corredores do IMS é uma extrema sensibilidade aplicada no olhar de cada um: seja no fotojornalismo de Medeiros, no modernismo de Gautherot, na abstração de Farkas, ou na fotografia industrial de Flieg. Além, é claro, do desfilar de imagens oriundas de Leica e Rolleiflex.

Vale lembrar ainda que o brasileiro, no período compreendido pela exposição, não conhecia de fato o próprio país até o desenvolvimento das tecnologias da informação – o rádio, o cinema, a imprensa ilustrada.

E além de falar da modernidade Brasil, cabe ressaltar que estes fotógrafos representam a vanguarda da fotografia moderna brasileira. É claro que há outros tantos fotógrafos merecedores de destaque. Não podem ficar de fora, por exemplo, Geraldo de Barros ou German Lorca. Ocorre que a exposição foi composta apenas por imagens que integram o acervo do IMS.

Visitar Modernidades fotográficas é visitar a história do Brasil em meados do século XX pelo olhar particular de quem vê o que nem todos conseguem enxergar.

Marcel Gautherot

Parisiense de origem operária e com formação em arquitetura, Gautherot veio para o Brasil em 1939 a fim de viajar e conhecer a Amazônia. Em Paris, o discípulo de Le Corbusier atuou como projetista de móveis e, posteriormente, como arquiteto-decorador do Museé de l’Homme, onde aprofundou a técnica fotográfica e se aproximou da fotografia etnográfica. No Brasil, viajou muito pelo norte e nordeste, registrando principalmente manifestações culturais populares. Na década de 40, fotografou monumentos do período colonial, sobretudo a arquitetura barroca e a obra de Aleijadinho para o Serviço do Patrimônio Histórico.

Foi o fotógrafo preferido de Niemeyer, que encomendou a Gautherot imagens de obras projetadas por ele, como o prédio do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, e o conjunto da Pampulha, em BH. Gautherot teve acesso irrestrito aos estágios da construção de Brasília e registrou as obras durante os três anos de construção da nova capital.

Formas da vegetação nativa evocam os contornos da arquitetura moderna (Marcel Gautherot/Acervo IMS)

José Medeiros

Nascido em Teresina em 1921, Medeiros começou a fotografar na adolescência influenciado pelo pai, fotógrafo amador. Mudou-se com a família para o Rio de Janeiro, então capital federal, em 1939. Frustrado por não conseguir ingressar na faculdade de arquitetura, foi funcionário público até conseguir trabalhar como free-lancer para revistas cariocas.

O ingresso na revista ilustrada O Cruzeiro foi um divisor de águas na carreira de Medeiros. Produziu reportagens que permeavam entre o jornalismo e o espetáculo. Destacam-se registros da vida glamorosa no Rio de Janeiro, as relações entre homens brancos e tribos indígenas no Xingu (durante a Marcha para o Oeste), e as noviças do candomblé na Bahia.

Busto de noviça do candomblé na Bahia, em 1951 (José Medeiros/Acervo do IMS)

Thomas Farkas

As décadas de 1940 a 1960 foram de intensas experimentações fotográficas para o húngaro Thomas Farkas. Nascido em Budapeste em 1924 e filho de família judia que comercializava material fotográfico, Farkas veio para o Brasil aos seis anos e começou a experimentar a fotografia aos oito, em São Paulo, quando ganhou uma câmera do pai.

Na década de 40 fez parte do Foto Cine Clube Bandeirante, período em que suas imagens já flertavam com a abstração. Depois se aventurou por outros gêneros fotográficos, como retratos e cenas de rua. Também militou pela admissão da fotografia num circuito até então exclusivo das artes plásticas e ajudou a instalar o laboratório de fotografia do Museu de Arte de São Paulo.

Marquise do Cassino da Pampulha em 1949 (Thomas Farkas/Acervo do IMS)

Hans Gunter Flieg

Indústria em São Caetano do Sul (Hans Gunter Flieg/Acervo do IMS)

Outro sentido de modernidade aparece nas fotos do judeu alemão Hans Gunter Flieg, nascido em 1923 e imigrado para o Brasil em 1939. Em São Paulo, nova capital industrial do país, Flieg encontrou lugar ideal para aplicar sua influência da fotografia contemporânea alemã (destaque para Bauhaus) quando começou a se especializar em fotografia industrial.

Estabeleceu estúdio fotográfico próprio e construiu a imagem de excelência profissional. Atendeu indústrias de médio porte, grandes grupos multinacionais, projetos de engenharia, entre tantos outros projetos com fins publicitários ou comerciais. Produziu imagens de grande apuro técnico e plasticidade.

Serviço:

Exposição Modernidades Fotográficas, 1940-1964

IMS Poços de Caldas

Rua Teresópolis, 90 – Jardim dos Estados

Visitação gratuita de terça a domingo e feridos, das 13h às 19h

Até 7 de outubro

*Bárbara Salomão é jornalista formada pela Universidade Católica de Santos. Atua com assessoria de comunicação e fotografia. É pós-graduada em Jornalismo Digital e em Imagem: processos, gestão e cultura contemporânea. Atualmente integra o conselho curador do Museu Histórico e Geográfico de Poços de Caldas.