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Acabamos, vez por outra, nos condoendo com a aflição alheia e, assim, dias atrás recebo a notícia que pela segunda ou terceira vez a casa de um amigo havia sido de novo invadida, roubada, em plena luz do dia, sendo que em uma das vezes anteriores houve um embate físico entre invasor e vítima, que se posicionou como defensor daquilo que custou e custa tanto para se conquistar.

Confesso que ensaiei antes alguma coisa que pudesse lhe dizer em um telefonema na intenção de amenizar um pouco o impacto de mais um ultraje. Ao atender minha ligação, além de fazer com que todo meu ensaio caísse por terra, ouvi a voz de um coração combalido e mais do que desanimado, um homem decepcionado. Nenhum sentimento é mais negativamente avassalador do que a decepção. Ela desencoraja, ela vulgariza a esperança, ela putrifica a fé e foi o que ouvi: a decepção verbalizada.

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Naquele relato estampado diante de minhas idiotas perguntas, o amigo – dentro da gentileza que certamente ele ainda catava dentro de si – foi narrando a audácia, a ousadia, o “dane-se” mostrados em arquivos de câmeras de segurança, como se aquele lar pudesse ser invadido por qualquer um que assim achasse por bem fazê-lo. No momento de meu telefonema, a família tentava descobrir por onde começar a reorganizar o que a maldade gratuita foi deixando como rastro. Se não bastasse o roubo em si, foram vandalizando pelo prazer de ferir trajetórias de vidas que também enfrentam suas agruras, mas que nem por isso se acham no direito de sair escarrando seu fel, seu amargor como forma de alivio ou de protesto, seja ele por qual causa for.

Fiquei tentando imaginar como colocar três crianças (ele tem três filhos pequenos) diante de uma situação assim. Como relativizar, poetizar um momento assim, sem descambar para os tons do ódio? Nós adultos – mesmo que mentirosamente – aceitamos que isso seja reflexo de uma desestruturação social e blá blá blá ao cubo! Para as crianças, resta o rasgo da invasão, os brinquedos maldosamente espalhados, pisoteados e um cenário esculpido a ferro quente que precocemente deixará nelas, questionamentos que não deveriam existir tão cedo. Para o amigo, ficaram, como de fato eu ouvi, suspiros buscados sabe Deus onde, tentando entender o que justifica a gratuidade do mal.

*Pedro Bertozzi é radialista, apresentador de TV e músico