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Como matar seu melhor amigo

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Quase todos os dias recebemos notícias de mortes acidentais, através de balas perdidas, na cidade do Rio de Janeiro. Na verdade, estes fatos há muito que deixaram o campo do casual, tornando-se pesarosamente costumeiros, factuais. É o preço a pagar pela ausência do Estado em todos os setores da administração pública, especialmente nas favelas e nos morros cariocas. É o resultado da corrupção que consome os recursos necessários para resolver os problemas que se perpetuam.

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Mas a violência não é um privilégio do Rio. Alguns estados do nordeste também apresentam índices alarmantes. Inclusive alguns deles ganham dos cariocas, que têm a grande contribuição dos números da sua capital. Estes são fatos conhecidos e abundantemente comentados. Eu quero é falar de uma outra particularidade dessa violência excessiva que grassa pelo país: o assassinato casual de pessoas por vezes bem próximas dos homicidas.

Dois fatos acontecidos num espaço de poucos dias, no mês de outubro, despertaram a minha atenção sobre essas mortes pretensamente acidentais. Os eventos foram: o ataque a uma escola em Goiânia, que resultou em dois mortos e quatro feridos e um desentendimento entre marido e mulher em uma festa na cidade de Mongaguá, litoral de São Paulo, que terminou com a morte de uma das convidadas.

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Esses fatos guardam uma certa semelhança pelas mortes acidentais que causaram. No primeiro o rapaz atirou dentro da sala de aula, visando principalmente um colega que o perturbava continuamente, atingindo também seu melhor – e também o único – amigo. No caso da praia, a esposa atirou no marido e atingiu mortalmente uma moça que, segundo informações posteriores, cuidava das crianças da família.

Desavenças graves entre membros da mesma família são relativamente corriqueiras. Especialmente os atritos entre maridos e mulheres, resultando em desfechos trágicos que envolvem filhos e outros familiares. Porém, foi com muita surpresa que recebi a notícia de que um garoto goiano, filho de policiais, matou o seu maior amigo no mesmo pacote em que liquidou o principal desafeto. Foi o mesmo, talvez pior, que assassinar um irmão.

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Melhores amigos da escola, no meu tempo, na verdade eram mais que irmãos. Essas relações detinham uma ligação tão forte de amizade que superava o laço sanguíneo. Os verdadeiros amigos eram partidários das nossas ideias e das nossas mais íntimas resoluções; depositários das nossas confidências e dos nossos sonhos, companheiros de todas as horas, boas e ruins.

No entanto, casos assim, como esse de Goiânia, têm explicações simples. Na verdade, é até fácil chegar a esta situação culminante. Pra começar, deve-se despertar e acumular o ódio adormecido que está dentro de cada um de nós, repousando nos mesmos recantos em que ele vive de parede e meia com o amor. Tão próximos que se misturam e se confundem, bastando apenas um gatilho emocional para acordá-los individualmente; muito embora, releve-se, o ódio tenha o sono bem mais leve.

O passo seguinte é alimentar esse ódio diariamente, tão intensamente e em quantidade suficiente para transbordar, tanto que um dia ele exploda de forma incontrolável. Acredito que isso não seja muito difícil, não. Alimentar o amor é bem mais complicado, pois envolve a compreensão, a cumplicidade total e, quase que continuamente, o perdão. Sentimentos cujo acesso é bem mais dificultado por nossas contraditórias virtudes humanas.

Quando esse ódio estiver bem alimentado e gordinho, basta soltá-lo. Daí em diante, como uma besta desenfreada, ele irá realizar suas proezas. De forma generalizada e incontrolável, atingindo a todos ao redor, inimigos e amigos, sem discriminação. Exatamente como aconteceu nos dois casos citados, especialmente no caso do rapaz de Goiânia, que matou o melhor amigo.

Indagado sobre o porquê de fazer isso, ele disse que quando acertou o primeiro – o inimigo – sentiu vontade de atirar nos outros. Por isso, atirou também no amigo. Havia tanto ódio represado em seu coração, que matar uma só pessoa não foi suficiente. Ele tinha que gastar o ódio acumulado. Tinha que atirar até acabar a munição, pois era isso o que lhe cochichava aos ouvidos o demoniozinho do ódio.

E foi exatamente o que ele fez. Isto se dá sobretudo em razão de uma terrível particularidade desse sentimento: desencadeá-lo é fácil, controlá-lo é muito difícil.

Então, a receita pra matar o melhor amigo é a mesma daquela para liquidar o pior inimigo: basta acumular ódio o bastante para que ele se torne incontrolável. Depois é escolher o melhor momento para liberá-lo. O melhor momento, como já se viu, é sempre quando estejam todos juntos, amigos e inimigos, pois o ódio não faz distinção. Pode destruir a todos numa tacada só.

* José Nário é escritor, engenheiro florestal, especialista em Informática na Educação, Gestão Ambiental e Educação Inclusiva e autor dos livros “Lelezinho, o pintinho que ciscava pra frente e andava pra trás”, “Lelezinho vai à escola” e “Minha janela para o nascente”.

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