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Os amores e a adolescência

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Eles juram amor eterno, ameaçam se matar, ali mesmo, na Sede do Conselho. Que a vida sem o outro não já não tem sentido e que querem compromisso, filhos. Prometem cuidar do outro e que a tudo dali em diante será diferente. A família que tiveram até então é sempre péssima, os pais não gostam deles, a escola é um horror, irmãos não servem de nada e ninguém tem amigos nessa vida. Só o amor importa! Choram, sofrem, querem morar juntos, ter espaço, privacidade e rumar as próprias vidas. Gritam com os conselheiros, com a mãe, com quem estiver por perto e tentar atrapalhar o casamento e a vida de conto de fadas que combinaram outro dia mesmo, de mãos dadas ali no Parque, matando aula pra se encontrar. A crueldade do mundo real não cabe no encantamento que estão vivendo! Todos somos uns tios velhos dando bronca e querendo saber mais da vida deles do que os próprios!

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Para além da tragédia romântica típica da adolescência, os resultados práticos que tenho presenciado nos atendimentos com adolescentes que deixam a própria vida para viver os amores passaram a me chamar atenção, sobretudo em relação às meninas, que são muito jovens, em geral quatorze ou quinze anos. Constantemente se envolveram com um rapaz ou outra moça e estão, os dois, realmente apaixonados. Sem liberdade para vivenciar o sexo e o afeto e não vendo sentido em suas vivências cotidianas e familiares, creem que encontraram a felicidade da qual tanto ouviram falar. Desde que nasceram. Com toda a intensidade que a adolescência carrega, a entrega a esse amor não raras vezes resulta, na prática e em pouco tempo, em complicadores permanentes para a vida desses jovens, que nenhum de nós consegue, nem pais e nem Rede, na maior parte das vezes, evitar. A gravidez é apenas uma delas.

Abordar este assunto de forma não moralista é um desafio, mesmo para mim, que tento me despir todo dia da moral social imposta em relação ao sexo, e já trabalhando com adolescentes há muitos anos. A questão é que é muito difícil manter o equilíbrio entre o limite e a liberdade, entre o espaço e a autoridade necessária para lidar com adolescentes quando somos os pais. Mas há algo que tenho aprendido e que é extremamente difícil de aceitar quando nos vemos diante dos filhos adolescentes: eles escolhem, mesmo não tendo consciência completa das escolhas a médio ou longo prazo. E quando já fizeram a escolha, sobretudo sob a ação de sentimentos fortes como são os da adolescência, muito pouco podemos em relação a estas escolhas. Mas o que os leva a determinadas escolhas ou caminhos é que se faz importante questionar, porque sobre isso pode ainda haver intervenção.

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Em uma sociedade que descuida da infância e adolescência de diversas formas e que também é a mesma sociedade em que as crianças e adolescentes não têm recebido muitos nãos e nem aprendido a lidar com frustrações, as consequências culminam em adolescentes e adultos dependentes emocionais e sem condições de medir até onde vale o esforço de uma relação a dois. Que adolescentes ainda estão em desenvolvimento emocional e físico é bastante claro, e até previsto na legislação brasileira, mas o extremo do abandono da própria vida em favor de uma relação não tem a ver somente com a idade, tem a ver com não ver sentido na vida sem um romance.

E se não veem sentido em suas vidas é porque provavelmente ela não faz mesmo. Um dos pontos, e acredito que seja o fundamental, é a velha questão da romantização das relações e do sexo. Quando digo romantização, estou dizendo do amor eterno tanto propagado, da morte pelo amor da vida e da própria educação, especialmente das meninas, para o casamento e a família. Se toda a mídia, internet, escola e família nos educam já a partir de brinquedos domésticos e reprodução dos papéis sociais atribuídos à mulher, de esposa e mãe de forma exclusiva, e isso é romantizado, repetido, induzido, imposto, o que vamos desejar do nosso futuro que não casar e viver, através desse amor, o que fomos educadas para fazer?

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A verdade é que passam a vida toda nos ensinando algo e quando vamos atrás disso, na adolescência, tentam nos negar essa algo que nos ensinaram a desejar tanto. Colaram a verdade de um tipo de amor em nossas mentes e quando conhecemos o primeiro namorado, ainda muito jovens, e imaginamos que ele ou ela se encaixa nesse sonho que nos moldaram a sonhar, os pais, a escola, a família, o Conselho Tutelar, vem tentar nos dizer que somos muito novos para casar! Que não podemos ir morar juntos porque só temos treze anos! Que gravidez nessa idade em geral é um complicador para a vida adulta! Que a sexualidade faz parte da vida, mas exige responsabilidade com o próprio corpo e com o outro! Que os afetos, será que duram por tanto tempo, sobretudo quando somos tão jovens? Mas me ensinaram que era eterno!

E contando com o romantismo do trabalho doméstico e da educação que nos impõem desde muito pequenas, somam-se os fatores do abandono dos filhos na sociedade atual. Esse abandono nem sempre é literal, mas se dá de diferentes formas e em todas as camadas sociais. A maternidade não é pensada nem planejada em nosso país, sobre a paternidade melhor reservar um texto só pra isso, já que pai nenhum é cobrado de nada em relação a filho e sabemos, toda a carga fica sobre a mulher sim. As pessoas têm como caminho natural ter filhos, isso não é questionado, a contracepção não é levada a sério e muito menos faz parte dos processos de educação, nem familiares e muito menos escolares. Digo contracepção real. Falar em sexo de forma honesta com crianças e adolescentes, abrir o jogo, abrir a roda do diálogo, trabalhar o resultado da maternidade no processo social. É preciso desromantizar o sexo e as relações!

Em um cenário em que os filhos não são pensados, como serão cuidados? As famílias se arrastam, muitas vezes. A rotina cria as crianças e não um processo cuidadoso de educação. Os filhos crescem na casa, com adultos ali, mas não em uma vivência que conceba as diversas formas de família em uma relação de cuidado e carinho. Essa realidade é dura e está nas diversas classes sociais! Não fazemos o cuidado da presença, da paciência em ouvir, em demonstrar amor e tentamos compensar com a não autoridade. A autoridade é confundida com autoritarismo, não aprendemos até hoje a educar sem violência, porque dá trabalho. Estar pouco tempo com a criança não significa educação de má qualidade, pode-se passar o dia todo em casa e sequer olhar pro lado do filho de forma significativa!

Assim, sem rumo é que crescem as crianças! Sem que alguém lhes dê a mão realmente e os conduza pela vida, os adolescentes perdidos se entregam completamente ao amor que parece ser a solução de tudo! Da ausência. Que agora talvez já não possa mais ser preenchida facilmente com outras coisas. Se ensinamos às crianças o valor de suas vidas, de seus corpos e do corpo dos outros, elas aprenderam. Se não, isso culmina em descuido e desvalorização de si mesmo. A vida deles não tem valor a não ser no encontro com o outro! Se a educação deles desde pequenos foi pensada num sentido de valorizar suas vivências, os estudos, a construção da vida adulta, verão importância em seus próprios caminhos. Se damos espaço para que vivam o sexo e o afeto, não sairão de casa diante de um primeiro namoro, ainda tão jovens! Casamento nessa idade frequentemente tem significado liberdade para transar. Não mais!

Daí que enquanto escrevo este texto e o releio, aumenta a certeza de que os ciclos de descuido estão se mantendo. Ao mesmo tempo em que falamos da infância destes adolescentes que agora querem deixar tudo para viver seus amores, também já tratamos dos filhos deles que estão vindo, na mesma situação! Até quando vamos lidar com a educação de forma tão irresponsável? Até quando vamos achar natural que uma adolescente queira se casar aos quatorze anos ou chamá-la de precoce, de adiantada, de vadia, que só quer saber de sexo, namoro e homem? Atrasados somos nós, que não passamos ainda nem da fase de discutir sexualidade, nem a nossa, de forma honesta e que não temos conseguido cuidar dos filhos, que crescem nesse turbilhão de desejos impostos e sem a possibilidade de trilhar seus caminhos na vida de forma consciente, no mínimo sendo capazes de entender suas escolhas e vivências e os resultados deles a longo prazo.

*Andréa Benetti é pedagoga, formada na Puc Minas pelo ProUni, mestranda em Educação pela Unifal, pesquisadora de gêneros e juventude, e conselheira tutelar em Poços de Caldas, regiões sul/oeste.

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