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Poços de Caldas

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Um urbano mais humano: “Serpenteando pelo Vale precioso”

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E o que são os rios senão aventureiros a descortinar caminhos por entre o nunca habitado? E a humanidade do espaço tem isso de peculiar, se constrói como o arado, passo a passo, marcado como quem marca um ponto, um início.

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Figura 1 – Croquis originais do arquiteto e urbanista Lúcio Costa – Fonte – COSTA, Lucio. Registros de uma vivência.

Como Lúcio Costa, em seu croqui para Brasilia, que marca o lugar como quem sinaliza um ponto no meio do território, um X ou um sinal da cruz, onde, pelo cruzamento de dois eixos, duas retas num gesto racional que criam um ponto, e imprime a essência da cidade tradicional, a crença, o culto, é esse início que o serpentear da água abre o caminho no movimento, sem o estar e ficar.

Mas o arado, que revolve a terra e imprime o gesto humano sobre o natural, vai construir o espaço no desenho que molda e estabelece um desejo como designo para o lugar.

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Há um propósito da água no serpentear, é o passar, abrir o caminho.

Na urbe, o moldar a terra para o uso humano tem como propósito o belo, a beleza da natureza que se mostra como líquido precioso que brota quente e com cheiro forte de enxofre.

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É este espaço moldado ao longo do vale, de águas serpenteantes entre montanhas que médicos nos ensinam a cura do corpo, pela ciência que segue num acariciar a alma pela visão do trato humano, da pedra moldada em monumento, em arquitetura e urbanismo, uma ciência que cuida do corpo e que deixa, no flanar pela arte da constituição do espaço urbano, a ambiência necessária para a cura.

Bem vindo ao vale das águas virtuosas, uma viagem pela lenda de Esculápio sob o olhar do grande Crenólogo de Poços de Caldas, Dr. Benedictus Mário Mourão:

“Não havia em Larissa, cidade de Tessália, ninguém mais formosa do que Corônis, filha de Flégias, o filho de Marte e de Crisa.

Flégias não se conformou por ter Apolo seduzido sua filha e, para vingar-se, incendiou o seu templo em Delfos. O deus do Sol, para puni-lo precipitou-o no Tártaro, onde Tisíone envenena tudo que ele toca e paira eternamente sobre a sua cabeça um imenso rochedo, que a todo instante ameaça tombar, causando-lhe imenso pavor.

O mais belo dos deuses foi informado pelo corvo, certo dia, de que sua amante o traía com um jovem tessálio. Apolo mata, por meio de certeira flechada, a infiel. Desesperado ante sua incontida violência, ele próprio arrancou do cadáver da amante o feto ainda com vida e entregou-o a Quirão, o famoso centauro.

Esse filho nonato era Esculápio. Uma cabra aleitou-o e o fiel cão do centauro guardou-o com absoluta segurança. O pastor Aristine, no monte Titão, perto de Epidauro, onde sucedera a tragédia, observou na fronte do recém-nascido uma perfeita auréola luminosa. Logo difundiu a notícia de que nascera um menino capaz de robustecer os fracos, consolar e livrar dos males os enfermos.

Apolo, arrependido de sua vingança, talvez infundada, castigou o corvo embusteiro mudando a sua cor, de alvinescente que era, para preto, a cor das noites tristes, sem luar e sem estrelas.

Quirão, pai adotivo, iniciou Esculápio na difícil arte de curar. Esculápio se tornou médico habilíssimo, até mesmo apto a ressuscitar mortos.

Júpiter, senhor absoluto dos mortais, influenciado por aleivosias do maldoso Plutão, rei dos infernos, irado ordenou aos Cíclopes-Titãs que lhe forjassem um raio. Incontinenti, sem contemplação nem piedade, o infeliz Esculápio foi fulminado. Profundamente arrependido do seu precipitado ato, o mais poderoso dos deuses imortalizou Esculápio no firmamento, onde estabeleceu a constelação Sagitário, representada sob a figura de um centauro segurando um arco tesi armado com uma flecha.

O culto a Esculápio foi introduzido entre os gregos em 429 a.C. Os mortais adoravam-no na paz das florestas, ao sopé das altas montanhas ou nas fontes de águas puríssimas. De Epidauro, considerada o centro do culto, onde o deus da medicina era venerado sob a forma de serpente, a devoção se irradiou para as cidades de toda a Grécia. Mais tarde foi levada à Roma, após terrível peste que dizimou grande parte de seus habitantes.

Construíram-se templos, geralmente junto às nascentes de águas minerais, como as de Atenas. As pessoas que iam pedir as graças divinas, refazer energias combalidas ou tratar de enfermidades, deveriam submeter-se a tratamento preliminar: usar antecipadamente uma série de banhos termais, abster-se do vinho e seguir um regime alimentar especial. Esculápio, nas visões aos seus doentes, prescrevia os tratamentos em pequenas tabuletas, que depois eram fixadas nos muros, servindo de orientação aos médicos (asclépios). Tal foi a origem do mais longínquo códex. O deus da medicina ainda aparecia em sonhos aos doentes e dava-lhes conselhos acerca dos cuidados com suas enfermidades. Mostrava-se sob aparência de homem compenetrado, mas irradiando bondade e trazendo bastão enroladinho por estranha serpente. ” (B. M. MOURÃO 1997, p.61)

E partindo da beleza dos deuses do Olimpo, da força e poder de Apolo, o mais belo dos deuses e indo de encontro ao deus da cura, Esculápio serpenteia pelo vale e, através da vitória sobre a serpente, que segundo Mourão, ao ser domada nos leva a crer que o princípio de toda cura é o combate à desarmonia, causa de todas as disfunções e deformações físicas. Seria a força da alma a dominar a fraqueza do corpo. (1997, p.63)

Perde-se na história dos séculos a origem dos mitos, das arcaicas tradições, das crendices absurdas, dos tolos preconceitos, dos velhos hábitos arraigados e outras manifestações ligadas a ideias abstratas. Um exemplo do costume que se perpetuou desde épocas mui remotas até os nossos dias, procedeu os balneários dedicados a Esculápio. Os balneantes deixavam lápides nas termas, com seus nomes incrustados, e peças cinzeladas em pedras representando as partes do corpo em ficaram curadas. Esse estranho costume é ainda encontrado em fontes medicinais da Europa, tendo sido transportado para o Brasil. (B. M. MOURÃO 1997, p.63)

Esses médicos, Dr. Pedro Sanches de Lemos, o pioneiro, o cientista e grande Crenólogo nos concede o propagar do conhecimento da cura pela água preciosa, tal qual a água que descortina o vale, divulgando a ciência com alívios contínuos das doenças humanas.

Mas não fica apenas na água, no banho e leva ao movimento dos corpos as trocas sociais no espaço público da urbe crescente e promissora.

O Dr. Benedictus Mário Mourão, médico, membro correspondente da Academia Nacional de Medicina e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, titular da Comissão permanente de Crenologia (CPC) do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), Ministério das Minas e Energia, tem nessa comissão a homenagem com seu nome e por último em grande mérito, foi Diretor dos Serviços Termais da Prefeitura Municipal de Poços de Caldas, dentro das Termas Antonio Carlos, e o olhar encantador, comprometido como o Dr. Pedro Sanches, nos ajuda a compreender a dinâmica da ciência médica na ambiência urbana e em continuidade de seus conhecimentos,

Abordada  na segunda parte da tese “A Urbanística Termal: Poços de Caldas, o chão da essência crenológicca” ainda em elaboração, intitulada Ar, tratamos a Pedra como sendo o chão, suporte liso e contínuo explorado como Ar e será abordado com base na climatologia médica, que tem como conceito o tratamento das enfermidades por influências climáticas.

Segundo Dr Marcos Untura num artigo chamado Uso Terapeutico das águas minerais, publicado em 1989 no livro Termalismo no Brasil, explica que o clima da montanha é considerado estimulante metabólico, sendo assim o ar e sua ambiência participa do tratamento do curista no espaço de deleite público das caminhadas, recomendação médica para o período de tratamento ao longo dos dias.

O passeio é o suporte básico da climatologia, e traduz o pensar urbano aliado à crenologia e o ar é o espaço e ambiência.

Passeios largos, divididos em áreas de caminhada e áreas permeáveis. Destaque para a curva do ribeirão de Caldas e o ribeirão ainda aberto em parte da atual Rua Prefeito Chagas. Fotografia reportando o Corso Carnavalesco em Poços de Caldas no ano de 1915; Foto de Pedro de Castro e Souza. Fonte Museu Histórico e Geográfico de Poços de Caldas – Coleção José Ranauro.

Sanitarismo, natureza e saúde compõem o repertório de tratamento no espaço urbano, se configurando em elementos morfológicos de desenho urbano, em eixos de avenidas arborizadas, em perspectivas onde o monumento é a contemplação que eleva o espírito pela arte e arquitetura.

Pedra como Água, espacializa o que é específico do lugar das nascentes, constituido por fraturas das rochas alcalinas, ocorrência única formando o planalto alcalino de Poços de Caldas, onde as junções de múltiplos minerais trazem à superfície o jorro da água termal que cura.

Tem na água a preciosidade que lapida o solo e constrói a urbe. É a água como o líquido do saber crenológico que transforma o solo, que é pedra desenhada pelo saber das propriedades curativas da água aliada ao ar puro da montanha.

É o líquido do saber e o líquido terapêutico que estruturam o espaço urbano e equipam o lugar com a técnica da crenoterapia, estabelecendo uma rotina de banhos, dietas e práticas esportivas em meio ao ar puro, construindo uma paisagem artificial em meio a natureza, com uma arquitetura imponente adotada pela rede hoteleira e por balneários.

OS TRES rios serpenteando o vale. 1ª imagem por volta de 1940. Segunda imagem atual. Anotações em azul destacando o trajeto dos rios com base na foto montagem – acervo pessoal Rubens Caruso, disponível site Memória de Poços.

Ações que imprimem uma imagem de cidade com referências e citações às estâncias europeias, compostas por luxuosos cassinos, teatros, cinemas e salões de bailes, se consolidando como importantes centros de lazer e vilegiatura em âmbito nacional.

O Ar é a ambiência do espaço urbano, o clima, o ar puro e a natureza em unidade ao espaço social que a vilegiatura promove ao lugar.

Os rios, serra e água que serpenteando constroem o vale ao longo do planalto alcalino dos poços de águas escaldantes, enxofradas e enlameado…]

E pela harmonia o vale se estrutura, num desenho que designado pelo belo tutor das fontes termais, o deus da beleza Apolo, cognominado Termita por ter seu nome dado a muitas fontes, tem no lugar das nascentes onde se banha para a cura, a palavra balneíon, que em grego significa prazer, diversão, desvanecimento dos pesares e das angústias.

É sob essa essência que se tem o propósito do desenho estruturador do vale enlameado. Retirar os males do corpo como se fora a vitória pela saúde, representado pela clava de Esculápio onde a serpente se enrola. Símbolo maior da Medicina, temos a vitória da saúde destruindo os gênios do mal, as serpentes.

Fundo de vale circundado pela Serra São Domingos. As linhas em Azul são os três rios principais que cortam a cidade e que foram retificados formando o desenho em ‘y’que contorna o Complexo Hidrotermal e Parque José Afonso Junqueira. . Imagem de satélite retirada do Google – 19/01/2017.

É a arte no espaço público, através das avenidas limpas, livres dos alagados, que constrói a nova Higéia para os poços termais.São então as ruas sinônimos de harmonia, retidão e conhecimento, portanto a beleza representada pela tranquilidade da simetria, pelo eixo das perspectivas sem surpresas ou sobressaltos, na geometria das formas características do renascimento e referência direta aos boulevares Parisienses, que como filha de Esculápio, Higéa, protetora da saúde pública, se traduz em passeios higiênicos, alongados e drenantes, com os eixos visuais sempre remetendo ao monumento, ora natural da bela serra, ora construído na pedra dominada pelo saber da arte aliada à técnica da construção, a arquitetura lapidando o chão da urbe

O Ar eleva o espírito ao sublime na contemplação do espaço que se forma moldado, não mais pela pedra bruta, fraturada com surgências de águas preciosas em jorro quente aflorando no largo enlameado, mas é a pedra lapidada, esculpida pelos conhecimentos de Panaceia, também filha de Esculápio, que dominava o saber de todos os remédios e curava os males. É o conhecimento de Panaceia, o remédio para a cura que transforma em terapia o espaço urbano, tratando a alma ao longo dos passeios em companhia de pessoas e em meio à natureza da serra que circunda o vale.

O urbanismo higienista, pelas mãos do arquiteto Carlos A. Maywald seguem estruturando os rios, dominando a técnica de drenagem, calçou as laterais dos ribeirões retificando e formando o desenho em forma de “y” que contorna o Largo Senador Godoy, pronto para receber os visitantes, curistas e aquistas em vilegiatura.

E de Panacéia a Higéia o vale serpenteado por ribeirões e nascentes termais sulfurosas vai se delineando na formação de uma ambiência.

Ruas, largos, praças, eixos monumentais, boulevares, pontes… a panaceia inicia os ares que curam.

Vista parcial de Poços de Caldas, em direção a Zona Oeste. Imagem mostrando os rios retificados e as ruas retilíneas, eixos visuais estruturadores da ambiência, o espaço que estabelece perspectivas num caminhar que tem como suporte a estrutura do conforto e bem-estar em meio a monumentalidade que hora estabelece as relações visuais com a natureza local, ora com a arte da técnica construtiva arquitetônica. Acervo Museu Histórico e Geográfico de Poços de Caldas.
– A demolição da grade do Ribeirão de Caldas, na atual Rua Prefeito Chagas para a cobertura do mesmo em 1913 pelo prefeito Francisco Faria Lobato. Cálculos e administração do Dr. David Benedito Ottoni. Acervo do Museu Histórico e Geográfico de Poços de Caldas. Coleção José Ranauro.

*Adriane Matthes é arquiteta e urbanista – mestre e doutoranda em urbanismo  pela PUC Campinas; professora do curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC Minas campus Poços de Caldas.

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