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Poços de Caldas

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Mas e a mãe trabalhadora?

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“Nove meses passaram tranquilos

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E o bom Jeremias nasceu

Não havia o parto sem dor, 

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Jeremias, porém, não doeu.”

Ziraldo

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Humanização do parto e amamentação prolongada são os principais focos de militância que vem surgindo e que cresce bastante em favor de uma nova maternidade. Que o bebê deve mamar por dois anos ou mais no peito é dito e redito pelos órgãos da saúde, escrito nas caixas de leite, falado pela imprensa e repetido nos consultórios. O tempo todo. O parto natural, feito em casa ou em um ambiente mais agradável, conta com a presença do pai, irmãos da criança, doulas para auxiliar a mãe e pode ser realizado dentro d’água. Desmistifica o parto normal, as dores e busca reduzir a cesárea para o que ela é: parto de risco.

Não há dúvidas dos avanços impulsionados por esta militância em torno da educação familiar sem agressão, de uma escola mais humana, cuidadosamente escolhida pelos pais e que garanta o desenvolvimento sadio dos filhos na Educação Infantil. Os brinquedos pedagógicos, a música adequada produzida por grupos especializados em crianças, o esporte cuidadosamente escolhido e adequado para cada filho. A roupa que não pode adultizar os meninos!

Se, obviamente, começamos a enxergar as crianças como sujeitos de direitos que elas são, observando na maternidade e paternidade processos responsáveis em relação à outra vida, por outro lado, determinados conceitos e regulações que se desenvolvem atropelam questões sociais importantes para as quais muitas vezes deixamos de nos debruçar e este é o objetivo deste texto, apontar o olhar sobre a mãe trabalhadora e as crianças de classe baixa.

É verdade que a militância chega primeiro à classe média e alta sim! No movimento feminista, LGBT, étnico. Muita diferença há em ser gay rico e com diploma do que sê-lo na periferia de uma grande cidade sem conseguir ter concluído o Ensino Médio. Embora as mulheres de classe privilegiada sofram violência e estejam sob os mesmos moldes patriarcais, é inegável que ser mulher pobre modifica tudo! E modifica o cenário completamente quando estamos tratando de maternidade! O que significa ser mãe trabalhadora no Brasil e como essas novas definições de maternidade afetam essas mulheres e crianças em suas relações sociais?

Será que estamos imaginando a rotina de uma mulher que acorda antes das seis da manhã e que tira seu filho bebê do berço para levá-lo à creche antes de ir pro trabalho, quando dizemos que ela deve amamentar até que ele faça dois anos? Temos noção do que é escolher entre perder o emprego e passar fome ou levar o filho com febre pra escola? Sabemos bem como são os partos normais na Rede Pública do Brasil pobre quando condenamos a mulher que fez cesárea? Temos noção dos números de violência obstétrica? Sabemos que mulheres negras recebem menos anestesia no Brasil do que mulheres brancas?* Conseguimos de verdade compreender o transporte público no país para uma mulher com uma criança pequena no colo?

Não pretendo com isso, dizer que a militância em favor da maternidade esteja errada ou que seus focos sejam desimportantes. Pretendo chamar atenção para o fato de que não fazemos recorte de classe! Estabelecemos como únicos, modelos de maternidade dos quais a maioria das brasileiras não dão conta de participar e que deixa de fora do ideal social de infância as crianças das camadas mais pobres. Não só observo, como participo da vivência de mães de camadas populares e sua relação com os filhos. É inegável a culpa plantada socialmente nessas mães, a retirada da legitimidade de serem mães e cuidarem de seus filhos dentro de suas possibilidades reais e específicas e os preconceitos a elas atribuídos em diversos âmbitos na grande regulação social que é imposta sobre ser mãe.

O fato é que ser mãe não tem caráter universal e desvinculado de contexto sociocultural. As regras ditadas pela classe média que se impõe como modelo nas revistas, mídia e Rede Social não alcançam a realidade das pessoas e se estabelecem de modo cruel em algo tão cobrado quanto a maternidade e que passa por conceitos, épocas e comunidades e tem especificidades e costumes que não são idênticos. Precisamos reconhecer a temporalidade da maternidade. Nossas avós e bisavós criaram os filhos, nove, doze, de forma completamente diferente da nossa e alguém teria coragem de dizer que por isso essas mulheres não foram boas mães? É preciso reconhecer a luta e a carga dessas mulheres. É preciso voltar o olhar e saber que estamos aqui agora ditando limites muito duros e apertados para outras mulheres, quando provavelmente nossas mães ou nós próprias fomos criadas em um panorama completamente diverso do que pretendemos impor como único. É preciso olhar para a história de mulheres como a minha avó, que com um bebê recém-nascido na Zona Rural, desviava sozinha água de um riacho para cozinhar e cuidar do filho, enquanto meu avô a deixava sozinha para ir passear, com o filho pequeno no colo. Essa mulher teve outros tantos filhos e só os criou porque os mais velhos iam cuidando dos mais novos. Era o ideal? Mesmo para a época? Era ideal que elas se levantassem para lavar as roupas sujas do próprio parto no mesmo dia? Por quanto tempo essas mulheres amamentavam? Certamente não por dois anos. Uma professora Universitária que tive, a mulher mais brilhante que conheci e que me inseriu na militância, me apoiou como ninguém na entrada do Mestrado e do Conselho Tutelar traz relatos muito duros de sua vivência como mãe, quando era obrigada a dar aulas por mais de dez horas por dia. Sua filha pequena acordava e ficava diante da TV enquanto ela tentava ao menos dormir até perto das seis horas da manhã. Essa mulher não amamentou e raras vezes conheci pessoas, mãe e filha, com tanto caráter e dignidade humanas! E o que afinal, esperamos da educação familiar?

Olhar para isso agora é facilmente dizer que o contexto era diferente e que essas mulheres não tinham alternativa. Óbvio. E tantas outras ainda hoje também não têm. Mas parece que perdemos a capacidade de olhar humanamente para as mulheres quando inconscientemente consideramos suas vivências enquanto mães inadequadas. Quando dizemos que a mãe de classe mais baixa não podia ou não devia ter tido filhos porque é pobre e ridicularizamos o não uso de anticoncepcionais, estamos sim, deslegitimando e condenando qualquer outra vivência que não seja próxima do ideal plantado socialmente. Quando pais somem ou simplesmente nunca existiram na rotina de seus filhos, dizemos que as mulheres foram culpadas por engravidar desses homens. Não consideramos o caráter social do uso de anticoncepcionais e de cirurgias de laqueadura e nem mesmo do sexo. Não entendemos que a criação de crianças em comunidade é diferente da educação delas em condomínios fechados. Deixamos de ser capazes de perceber que nas cidades do interior a relação de crianças com outras, da criança com animais e com outras famílias não é higienizada como é nos grandes centros.Ser mãe e ser filho não é uma experiência única como a visão social tenta nos fazer crer, mas, sem dúvida é instrumento de marginalização e culpabilização da mulher como nenhum outro, porque a maternidade está ligada à construção social do que se espera para a mulher e os contornos são muito apertados. Facilmente é condenável uma mulher que escape milímetros da lógica estabelecida para a maternidade e desse julgamento ninguém espapa, nem de fazer nem de estar submetida, simplesmente porque é impregnado que não é boa mãe quem não segue o roteirinho de cinema a partir do que nosso olhar unificado e preconceituoso estabelece.

Algumas coisas não podem ser relativizadas nesse cenário, a violência, os abusos, a desumanidade. Eles sempre serão o que são e sempre deixarão marcas na infância. Mas os processos de regulação da maternidade, por mais militantes, bons e adequados que nos pareçam, precisam ser olhados com clareza social. Se é bom que a amamentação seja prolongada, vamos cobrar do Estado e dos empregadores que haja condições para isso e não das mães, se é parto humanizado que queremos, culpada não é quem marca a cesárea, é o sistema de saúde que não conscientiza, que não humaniza, que transforma o nascimento em um procedimento médico hospitalar. Se há disparate de gravidez indesejada em determinada camada social, é resultado dos processos de regulação do sexo, submissão feminina e descaso do poder público e não culpa das mulheres. Ademais, é preciso lembrar que muito mais importa uma criança feliz do que condenar sua mãe porque ela só mamou um ano e onze meses, que o caráter não se constrói a partir de um chá de cupcake pra saber o “sexo” da criança e nem construiremos uma sociedade mais humana individualizando e reduzindo as possibilidades e vivências do cuidado com as crianças e a condenação de suas mães. É preciso olhar para a mulher e enxergá-la para além de um instrumento de parir e cuidar. São pessoas as que estão ali.

*Andréa Benetti é pedagoga, formada na Puc Minas pelo ProUni, mestranda em Educação pela Unifal, pesquisadora de gêneros e juventude, e conselheira tutelar em Poços de Caldas, regiões sul/oeste.

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