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A transexualidade nos debates de internet – uma visão “queer”

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A ampliação do acesso aos temas sociais mais polêmicos é fato visível, basta olhar para o panorama dos debates feministas e de pautas LGBT depois da Rede. Por outro lado, não é nada difícil perceber que, por vezes, a superficialidade reduz imensamente qualquer possibilidade de entendimento de questões que exijam mais do que uma postagem de Rede Social, e a Teoria Queer é uma delas. Falar em pós-identidade, pós-crítica, pós-estruturalismo, pós-modernidade, parece conduzir a um cenário dos horrores. Chamar alguém de pós-moderno tem sido sinônimo de acusá-lo de relativizador eterno e os termos identidade e subjetividade são imediatamente tomados como opostos a categorias de classe e de coletividade em uma distorção importante quando o que está em jogo são opressões socialmente impostas que se pretende superar. Assim, desenvolver temas ligados a estes conceitos para além do contexto acadêmico, já que os debates se deslocaram da Academia para as Redes Sociais, tem me parecido fundamental na tentativa de dar corpo ao debate. Como toda teoria científica, buscar resumi-la é risco, que assumo em razão do objetivo deste texto, sem a pretensão de esgotar ou reduzir o tema aos meus argumentos e minha leitura sobre tal.

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Falar em Teoria Queer exige voltar ao auge da militância gay nos Estados Unidos e Europa, nos anos de 1970, quando a comunidade se organizava de forma muito densa, já empunhando bandeira própria, cores próprias e constituindo quase uma etnia, com formas específicas de designar um tipo específico de sujeito, o homossexual. Assim, os direitos civis começaram a ser galgados de forma dura, mas com sucesso, baseando-se, a militância, no grito e na exaltação da diferença. Até que os anos 80 maldosamente trouxeram o estigma dos gays associados ao vírus HIV, extirpando direitos e provocando retrocesso imenso em tudo o que já havia sido alcançado.

A comunidade gay cambaleava diante do impacto social que a falsa associação causava, até que em 1993, a maior Parada Gay do mundo, a Parada de San Francisco, foi uma parada estranha. Unindo-se ao movimento estavam pessoas consideradas esquisitas, socialmente condenadas à marginalização e que não encontravam lugar nem mesmo dentro da comunidade gay. Travestis, transexuais, drag queens e bissexuais passaram a compor a parada e a militância, forçando o movimento a enxergar além de categorias binárias em relação ao gênero e à sexualidade. Nem tudo era hetero ou homo, nem todos femininos ou masculinos, havia indivíduos transitando nas fronteiras, a realidade apontava para uma multiplicidade que a bandeira da diferença não daria mais conta, surgindo o movimento queer.

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Ao mesmo tempo, na Academia norte-americana, Judith Butler escrevia sua obra “Problemas de gênero”, que mais tarde seria considerado o texto inaugural da Teoria Queer. Ampliando as discussões sobre corpo e destino, feminismo e identidade, a teórica dá corpo às teorias que chamamos pós-identitárias. A Teoria Queer tem como ponto principal de sua crítica a identidade como essência. Assim, a identidade do sujeito baseada na diferença passa a ser questionada, tanto na militância, quanto na Academia. Considerar, portanto, que gays são essencialmente diferentes significaria demarcar novamente a norma heterossexual, tornando a militância cúmplice do que ela pretende destruir: a normatização da sexualidade.

Utilizando-se do conceito de construção social, a Teoria Queer passa a observar o gênero para além do corpo. Como toda a filosofia pós-moderna, o queer aponta para o transitório, temporal, cultural e espacial. Assim, ser mulher contém tudo o que determinada sociedade em certa época impõe como função social para os indivíduos considerados do sexo feminino, naquele momento histórico, carregando o caráter provisório das culturas. A visão de sujeitos com essência feminina se dissolve na medida em que as transexuais são incorporadas ao cenário da militância, já que ser mulher não significa ter vagina ou útero, mas a construção da identidade social da mulher, o que implica em um sentimento de pertencimento típico das identidades dos sujeitos, nesse sentido, sólida e real. Falar em construção social das identidades jamais significa algo superficial ou sujeito à vontade das pessoas, afinal, a cultura é tão forte quanto a vida em sociedade. Ser mulher não significa usar roupas feitas para mulheres ou maquiagem, ser mulher tem significados sociais múltiplos que se refletem por vezes na aparência dos sujeitos, mas que jamais estão restritos a ela e é por isso que as teóricas queer refutam veementemente qualquer alegação de que a construção social individual possa ser desfeita conforme desejo da militância ou que seria uma espécie de simulacro cultural atrás do qual as trans esconderiam seus corpos que “naturalmente” não seriam femininos. As transexuais são mulheres porque construíram suas identidades individuais a partir do que a sociedade estabeleceu como sendo específico para os indivíduos nascidos com vagina e essa identidade faz parte de suas constituições de sujeitos. Violentar essa identidade é também violência contra estas pessoas, portanto, entender que o gênero, apesar de construído socialmente faz parte do que a pessoa é, faz parte de um exercício que impede que as transexuais sejam acusadas, como o são de se construírem como fraudes em relação ao gênero.

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Quando afirmamos que o gênero é materializado de forma binária nos corpos e que essa imposição precisa ser desfeita por protagonizar opressão obviamente estamos nos referindo a processos sociais complexos que implicam cultura e cultura não é algo do qual os seres humanos se desvencilham fácil, mas o certo é que a desnaturalização do gênero jamais deve ser tomada como justificativa torpe para recusar a identidade trans, para oprimir ainda mais uma categoria que já é assassinada todos os dias, carregando o estigma da mulher e da transexualidade, o que em nossa sociedade é condenação certa à marginalização.

A Teoria Queer significa o apontamento para o múltiplo em detrimento das estruturais duais e incorpora conceitos de discurso, regulação dos corpos e performance, que podem ser detalhados em textos próximos. Por ora, importa esclarecer o queer como algo que incorpora sempre e que agrega, na medida em que propõe a aceitação do gênero e da sexualidade como categorias tão múltiplas quanto os sujeitos e, embora nossa sociedade divida estas categorias ainda em sistemas binários referenciados pelo sexo biológico, a existência dos sujeitos nos mostra que temos muito mais do que meramente feminino e masculino ou hetero e homossexual. Há indivíduos que vivem nas fronteiras, que não se estabelecem dentro destas categorias de encaixe, e estas pessoas não encontram seu lugar social.

Assim, introduzindo discussões importantes e profundas sobre identidade e diferença e se implicando com a militância feminista tradicional pela busca de direitos ainda não alcançados, ao mesmo tempo em que reconhece a importância da manutenção do paradoxo entre se impor mulher na busca por direitos e se desfazer do ser mulher enquanto exigência social, entre se implicar com a bandeira gay, mas se desfazer do pressuposto da norma hetero, entre gritar por direitos sem reforçar como referência o homem branco, hetero, de classe média urbana e ocidental, como historicamente tem sido feito.

Creio que enquanto Beauvoir gritava que o corpo não era o destino, o movimento feminista iniciava a dura batalha de dizer que gênero não era algo natural, mas construído. Quando Butler retoma o discurso e afirma que a cultura também não será destino, a Teoria Queer encontra aí a parte que lhe cabe no meio feminista: mostrar que o gênero é materializado no corpo, que os corpos se tornam matéria e abjetos e assim, como tudo o que é relacional deve ser comparado com a norma, e em relação à norma somos corpos que não importam. Nós mulheres todas, sendo trans ou não.

*Andréa Benetti é pedagoga, formada na Puc Minas pelo ProUni, mestranda em Educação pela Unifal, pesquisadora de gêneros e juventude, e conselheira tutelar em Poços de Caldas, regiões sul/oeste.

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