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O que eu amo quando amo você?

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Que o amor romântico nos impõe formas determinadas e restritas de amar, trilhadas no decorrer de nossas vidas a partir do que ouvimos e conhecemos desde muito pequenos, é fato cada vez mais levantado e não só pelo movimento feminista, mas como tudo o que se torna fortemente enraizado e desejado, abordar o assunto funciona quase como destruir sonhos encantados que nos plantaram na infância, sobretudo se somos mulheres, e derrubar a pilastra de segurança e poder onde se instalam os homens, no panorama das relações românticas atuais.

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É semana do Dia dos Namorados e olhar para as Redes Sociais bem superficialmente já nos aponta ao menos parte do que pretendo abordar com este texto, a insegurança e carência afetiva que as relações românticas nos provocam enquanto seres sociais e afetivos que somos. Produzimos solidão e fracasso diante dos namoros e relacionamentos da forma como os temos entendido, já que a vida das pessoas é pautada em sucesso na medida em que elas têm, ou aparentam ter, uma relação com outra que as complete, onde se divida tudo e com quem se pretenda passar o resto da vida, muitas vezes e ainda, a qualquer custo. Se a pessoa em questão for uma mulher, estar solteira agrava o cenário imensamente. Mulheres solteiras são consideradas incompetentes pela nossa sociedade, ainda que tenham uma vida plenamente realizada profissionalmente e pessoalmente em diversas áreas, invariavelmente as pessoas irão apontá-la para saber o que há de errado e porque ela não “conseguiu” o prêmio final, o casamento. E filhos.

Assim, se um mero dia comercial instituído como mais um entre tantos para vender presente já causa um estardalhaço tão grande de auto-estima generalizado e outro tanto de comemoração com foto tarjada como espécie de troféu, podemos imaginar que algo há de muito sério em uma sociedade que só enxerga felicidade nos pares, ainda que sejam pares calcados em compromissos sociais e muitas vezes sem fundo afetivo. Com isso não quero, obviamente, dizer que não há relações felizes, outras duradouras, outras realmente baseadas em amor e que não existem casais felizes juntos, pois claramente há. O que pretendo apontar é para o cenário de obrigatoriedade monogâmica romântica que nos esvazia de nós mesmos e que nos impede de enxergar outras formas de amor e de vínculo que podem ser tão ou mais ricas em afeto e ganho e para a aparente inexistência de felicidade ou alegria em nós mesmos, mais ainda em nós mulheres, que não somos, absolutamente, criadas para existir sem homens, para conceber nossa vida de forma auto-suficiente, sem saber que isso talvez seja um dos grandes trunfos para escapar às violências cotidianas que nos são impostas e às armadilhas de dependência emocional a que somos submetidas desde adolescentes, o que também facilmente se percebe pelas Redes Sociais. Como entender que em uma geração já tão mais livre que a nossa, na adolescência atual, as meninas ainda se construam com tamanha dependência das relações? Visivelmente não inovamos no cenário do sofrimento do amor não correspondido, do controle e regulação, estes sim ganhando nova roupagem com a internet, que possibilita a neurose coletiva de vigiar até o tempo em que a pessoa está online, com quem fala, quem marca e onde vai. Na sutileza das postagens e curtidas, descarado ainda mais é nosso sentimento de posse em relação ao outro, já que agora é possível invadir sem cerimônia alguma a vida alheia, não só a que é propositalmente exposta, mas as entrelinhas do que permite a vigilância do tempo das pessoas. Algo de muito doentio aparece no uso de uma ferramenta que possibilita novas conexões, liberdade, rompimento de barreiras, e ao contrário, começa a ser instrumento de prisão, de si e do outro.

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Sem mencionar ainda questões bem mais profundas ligadas ao amor romântico, como o patriarcado e o capitalismo, podemos pensar em como esse ideal de amor nos é plantado como único, necessário e absoluto, desde o início de nossas vidas. Quando somos crianças, se meninas, o estereótipo da princesa passa a nos ser inserido como o ideal de mulher adulta e realizada, ainda que saibamos que estes seres horrorosos e assexuados que nos apresentam não existem. Fantasiamos, porque somos ensinadas, a ser algo que não é real, que se veste de forma recatadamente arcaica, que passa grande parte da vida em casa fadadamente esperando pelo príncipe que a livrará de uma existência miserável, até que a morte os separe. O príncipe, que também não existe, passa a ser responsável pela vida e felicidade de uma mulher que ele nem conhecia, mas pela qual se encantou pela beleza (padrão europeu) e que levará para seu castelo, para a vida matrimonial eterna. Além de ridículo é amedrontador, mas é real.

Ainda que digam que as princesas evoluíram e que há até uma negra entre as milhares loiras e alguma outra que não se casa, entre a infinidade de senhoras, invariavelmente este padrão de mulher nos é ensinado a ser desejado desde a primeira infância, começando pelos brinquedos domésticos e de maternidade que são feitos para as meninas, até o surgimento do homem perfeito, porque nunca apareceu princesa lésbica nessa vida, reforçando ainda mais o padrão heteronormativo e de função social calcado em nossa existência desde muito pequenas.

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Falar em ser mulher está necessariamente ligado ao padrão de mulher e de relacionamento estabelecidos socialmente, padrão reforçado e construído através dos romances, poemas, músicas, novelas, livros, Escola, Igreja, filmes. O que quero dizer com isso é que muito mais reproduzimos, desejamos e esperamos algo imaginado do que real. Muito mais fantasiamos sobre amores impossíveis, dolorosos e arrebatadores do que nos preocupamos em cuidar das relações de forma carinhosa, em estabelecer humanidade nas pessoas e não tê-las como objetos de posse e realização de felicidade própria e egoísta. A disputa instalada nas relações que chamamos afetivas é, pra mim, o maior sinal do declínio do amor romântico. Afinal, o que sabemos de amor? De onde vem nossa construção e entendimento do que é amor? Certamente não é uma experimentação livre, assim como não é livre a expressão da sexualidade de ninguém, invariavelmente submetida a constructos culturais e marcas de poder que já nos circundam desde antes de nosso nascimento e que passamos a obedecer e seguir de forma cega, sistemática, em blocos. Facilmente sexo é poder em uma sociedade que instrumentaliza o corpo, tornando-o ao mesmo tempo alvo e objeto de controle e regulação, assim como injustificadamente afeto se torna jogo, negociação, chantagem, onde ganha quem menos ama, sai por cima quem machuca, se eleva em auto-estima quem se relaciona de forma a se utilizar melhor do poder. Exatamente porque construímos um ideal de amor ligado ao ciúme, à posse e à exclusividade é que nos entendemos carentes de uma relação que supra um vazio que não é necessidade afetiva, vontade de carinho e de toque, amor que queira bem, que queira o outro maior e mais livre, basta olhar para os índices de violência ligados ao que chamamos passional. A falta que se busca cobrir com as relações românticas é um vazio plantado em nós, vazio de existência e sentido de vida, que deveria ser encontrado em nós mesmos a partir do deslumbre de nossas próprias vidas e que pode ser mais bonito ainda no encontro com o outro, mas nunca condicionado a ele.

*Andréa Benetti é pedagoga, formada na Puc Minas pelo ProUni, mestranda em Educação pela Unifal, pesquisadora de gêneros e juventude, e conselheira tutelar em Poços de Caldas, regiões sul/oeste.

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