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É que a mãe é mulher, e mulher…

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Ter filhos exige uma responsabilidade enorme diante da vida, do futuro, da criação e educação de outro ser humano e até da perspectiva de sociedade, disso não há dúvidas. No entanto, a maternidade é cercada de questões tão enraizadas em nosso constructo social que o simples fato de discuti-la parece doloroso, mas é necessário. Precisamos falar sobre o que é ser mãe e o quanto ser mulher envolve aspectos ligados à visão social da maternidade obrigatória e do destino dos corpos. Falar em mãe enquanto categoria social é primordial para aliviar fardos e estabelecer um debate saudável sobre filhos, família e sociedade.

Acredito que não seja difícil perceber o quanto a maternidade está ligada ao pressuposto de doação eterna e infinita. No imaginário, na mídia, nos discursos, na exigência social, na construção de família, ter filhos talvez seja como uma fronteira que a mulher, ao ultrapassar, se transformaria em outro ser, com uma auréola angelical que lhe confere agora o imperativo de que ela não vive mais para si, mas exclusivamente em favor dos filhos. E que este processo será obrigatoriamente sofrido e que ela haverá, assim mesmo, de encontrar algum prazer ali. Algum não, todo o prazer de sua vida dali em diante.

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Ocorre que este arquétipo de mãe, desprovido de vontade e de humanidade, muito mais ligado às figuras religiosas do que à realidade das brasileiras trabalhadoras, além de povoar o imaginário social, também nos regula enquanto mulheres em nossas relações diárias, no trabalho, nos afetos e no entendimento do que somos. Quanta dureza há na cobrança exercida sobre a adolescente que engravida e precisa seguir estudando. A Universidade não é feita para mães, a escola secundária muito menos. Ali estão as filhas, somente. Quão mal vista é a mulher que não cuidou do seu filho em tempo integral, a que trabalhou, a que dividiu ou concedeu a guarda ao pai, a que o deixou com a avó. Que culpas essa mulher carrega e como isso reflete em sua construção de vida? Quanto os homens que sempre exerceram abandonos significativos na vida dos filhos são cobrados pela função de cuidado?

Sempre que falamos algo nesse sentido, a resposta imediata é a de que a atualidade fez com que as mulheres quisessem se igualar aos homens, esses que precisam, a todo custo, deter o monopólio de não cuidar dos filhos, ou então que o feminismo tem feito com que as relações se quebrem, inclusive a materna. Nem uma coisa, muito menos outra. O que se espera, ao abordar o tema, é olhar para a questão da maternidade com tudo o que ela envolve, mas de forma realista e com o entendimento de que mãe é uma pessoa, uma mulher. Quando olhamos para a questão da mãe renegada, sofrida, a que abandonou tudo pelos filhos, principalmente sua existência, felicidade e prazer, na verdade estamos olhando para um parâmetro único de possibilidade. O que quero dizer com isso é que quanto mais a mulher se afasta desse ideal de vida, ainda que não tenha filhos, menos valorizada socialmente ela é. Ou seja, os padrões de maternidade talvez tenham muito menos a ver com educação e criação de filhos e muito mais com regulação do que é ser a mulher ideal.

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Cora Coralina já tinha nos dito isso em seu poema “Mulher da Vida”, quando expõe brilhantemente a construção da identidade da mulher sempre em parâmetros de comparação entre santa e vadia, muito antes do que hoje as pesquisadoras de gênero chamam de “identidade relacional”:

“Possuída e enxovalhada,
ela é a muralha que há milênios detém
as urgências brutais do homem para que
na sociedade possam coexistir a inocência,
a castidade e a virtude.”

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Como existirá a mulher ideal, que perpassa pela mãe santa, se não houver a exigência social de que ela não se compare em nada à mulher da vida? E antes que digam que eu estou exagerando, basta pensar em como é chamada uma mãe que abandonou seus filhos? Vagabunda. Como é chamada uma mulher que, tendo filhos, sai de casa à noite? Como é chamada a mãe que sente prazer sexual? Que usa roupa sensual? Que sai com outros homens? Que não aboliu sua vida sexual por conta dos filhos? Ainda que essa mãe exerça todo papel de cuidado satisfatoriamente, não é raro que um homem possa, inclusive, ameaçá-la com a reversão da guarda, com o argumento de que ela não é boa mãe. Ela é boa mãe, mas não se adéqua ao imaginário social de renegada, e isso basta para não encaixá-la na categoria estabelecida de mulher.

Dizer que toda mulher já é mãe, toda mulher nasce pra ser mãe, toda mulher tem instinto de cuidado, nosso corpo foi feito pra parir e amamentar e que ter um filho é conseqüência natural da vida de todas nós é armadilha das mais perigosas, muito além da questão de se teremos filho ou não, muito além do nosso desejo, inclusive, de fazer tudo isso sem problema algum. A questão reside é onde o imaginário social da mãe nos regula obrigatoriamente, nos encaixa, nos proíbe, nos delimita. Ser mãe não impede ou regula necessariamente, mas o imaginário social, esse sim. Desde que tive filho fiz muito mais coisas do que havia feito anteriormente em qualquer âmbito da minha vida e vi que a maternidade é quase um folclore. Na realidade é onde se encontra muito menos do que significa ser mãe do que nas besteiras que ouvimos a vida toda, mas que, querendo ou não, constituem os discursos que insistem em determinar os limites sociais do que é ser mulher. Talvez pensar e discutir essas questões sem romantização, sem o caráter quase mágico que se atribui às mães, possa contribuir algo para a construção de uma sociedade mais sã em relação a ter filhos, educá-los, amá-los, porque poderão ver em suas mães as mulheres reais que são, a pessoa com vontades próprias e vida e quem sabe crescerão com um ideal de relação e de paternidade/maternidade mais humanos do que nós.

*Andréa Benetti é pedagoga, formada na Puc Minas pelo ProUni, mestranda em Educação pela Unifal, pesquisadora de gêneros e juventude, e conselheira tutelar em Poços de Caldas, regiões sul/oeste.

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