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Poços de Caldas

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Te amo?

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Adoraria me sentar para escrever no dia de hoje, no pós-carnaval, e ter motivos para comemorar. Afinal, a cidade é pequena e a violência teoricamente deveria ser algo mais fácil de lidar por estas terras. Também odeio ser portadora de más notícias, mas a trajetória da maioria das mulheres que, como eu, tem uma história de vida mesclada de violência, as impele a encarar bem de frente a realidade. E a realidade é que estamos e continuamos sendo mortas. Indefinidamente. Repetidamente.

Nem é necessário olhar os índices oficiais de mortes de mulheres em Poços de Caldas, que até para um menos atento, mentalmente é possível repassar o quanto são absurdos. Absurdos e terrivelmente cruéis. Tuani foi arrancada de nós na última semana, mas não foi a única. Mais amedrontador ainda é que a população não se mostra surpresa nem exala metade da revolta que deveria diante deste tipo de crime. Será que estamos mesmo entendendo o que se passa diante de nós? Conseguimos mensurar o que significa três crianças tentando acordar uma mãe ensanguentada que jamais lhes responderia outra vez? É possível medir a dor de tantas mulheres assassinadas, não sem antes uma vida toda de violência, opressão e culpabilização?

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Poderia me focar em diversos aspectos com os quais já me esgotei tentando entender e explicar a violência doméstica. No entanto, destacar a crueldade só tem gerado comoção momentânea e apontar para a futilidade dos crimes só tem feito ecoar justificativas medíocres e culpabilizadoras, muito bem adaptadas para cada caso. É pensando nestas justificativas, no entanto, que pretendo abordar algo quem me provoca e me incomoda de maneira desastrosa e que se repete em nossas histórias, uma a uma: explicarmos a morte com o amor.

Explicamos os assassinatos com o amor e isso não é figurativo, ao contrário, é bem literal e se articula com cada justificativa que encontramos para cada morte de cada mulher e de cada vida que se perdeu de forma tão baixa, fútil, de forma a desqualificar as mulheres, a desumanizá-las, a objetificá-las mesmo depois de mortas. Deixam de ser mães? Deixam de ser profissionais? Não as imaginamos mais nas sutilezas da vida, tomando seu café de manhã, cuidando dos filhos. Brigando, sofrendo… Não pensamos que deixaram uma família pra trás, amigos… As justificativas retiram completamente o caráter de “gente” dessas mulheres, desumanizam, as tornam abjeto.** O corpo que não importa. E não importa porque tem dono.

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Se continuarmos a tratar esse tipo de crime como “passional”, como resultado de um amor incontrolável, de uma paixão romântica que leva à morte, de um crime que se consumou como o arremate de uma relação de amor intenso, onde cada detalhe do crime pode sempre ser justificado com uma conduta da mulher, jamais, jamais, nunca deixaremos o cenário atual de crimes contra as mulheres, nem aqui e nem em lugar algum do mundo. Não há amor na violência. Não há beleza alguma no ciúme possessivo. Não pode mais ser desejável encontrar um marido/dono que tome conta de nossas vidas e nos dite quem devemos ser! Enfim, o amor romântico não é belo, é sim o estrago completo desde nossa infância, onde aprendemos a esperar pelo príncipe salvador, até a velhice, lá onde poderemos ou não nos dar conta de que passamos a vida sem tomar as rédeas de nossos corpos e de quem somos e determinar minimamente os sentidos que queremos dar a nós mesmas.

Não estou falando aqui no relacionamento da outra, do vizinho, do parente. Estou tratando mesmo de todo contexto social do que entendemos como amor e que precisa ser discutido e quebrado. Os maridos e namorados são os maiores assassinos das mulheres. Desde 1940, Simone de Beauvoir (Segundo Sexo) já dizia que a vida conjugal era risco de vida para a mulher e continuará sendo assim pelos próximos oitenta anos se não fizermos uma intervenção em nossa forma de entender e vivenciar o que chamamos de amor.

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Longe de qualquer tentativa de filosofar sobre o amor, fácil é perceber que amor deveria ser algo que nos fizesse bem. Liberdade, autonomia, carinho, sexo, desejo, companheirismo podem ser o significado de amor. Até discursamos assim, mas não vivenciamos. Ao contrário, o que trazemos encrustado nas relações é sempre a posse, o ciúme, a manipulação, o cerceamento da vida do outro, o despejo das frustrações, a expectativa de que o outro solucione nossa vida e nossos problemas e, por mais que não digamos, a obediência cega da mulher ao homem, se não explícita, ainda seguida como uma trilha em nossa moralidade hipócrita permanente nos dias atuais.

Pode ser difícil entender que a objetificação é resultado do sentimento de posse típico do amor romântico e é exatamente por isso que precisamos observar as justificativas sociais para a violência e os crimes. “Roupa curta, vagabunda, esposa ruim, péssima mãe, saía com qualquer um, queria dinheiro, não prestava, pediu pra morrer, traía, transava com todo mundo”… facilmente percebemos que o “objeto” não cumpriu o papel esperado de seu dono e da sociedade… e assim seguimos morrendo, uma a uma.

“te caço
te cato
te como
te cuspo

te caso
te traio
domestico
e abuso

te prendo
te isolo
te engravido
e sumo

te manipulo
chantageio
te silencio humilho
diminuo

te moldo
te visto
te silicono
e lipoaspiro

te bebo
te fumo
comercializo
e consumo

te exploro
te roubo
te xingo soco queimo talho mato
torturo

te trafico
te vendo
te compro
e alugo

te ameaço
difamo

te estupro
te culpo

te amo”

BALADINHA NADA ROMÂNTICA IV

(Jeff Vasques) link: https://eupassarin.wordpress.com/2014/03/12/baladinha-nada-romantica-iv/

*Abjeto é um conceito discutido pelas téoricas feministas queer, especialmente marcado na obra da estadunidense Judith Butler e que nos aponta como há corpos socialmente desumanizados.

**Andréa Benetti é pedagoga, formada na Puc Minas pelo ProUni, e conselheira tutelar em Pocos de Caldas, regiões sul/oeste.

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