- Publicidade -
17.4 C
Poços de Caldas

- Publicidade -

E o Carnaval foi cancelado. Mas não pra todos…

- Publicidade -

“Seus filhos erravam cegos pelo continente
Levavam pedras feito penitentes, erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal, tinham direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia, que se chamava carnaval, o carnaval, o carnaval…” Chico Buarque

Este texto não busca uma análise meramente política sobre o cancelamento do desfile das Escolas de Samba de Poços de Caldas. Tampouco se exime de fazê-lo. Busca focar-se, no entanto, na intensa comemoração de alguns setores da população, sobretudo na internet, quando o anúncio de tal cancelamento foi feito, exaurido, se impregnou nos discursos e foi reutilizado pelo poder político local frente ao “reordenamento das contas”.

- Publicidade -

Que a atual Associação das Escolas de Samba não fez a prestação de contas do ano anterior e que isso não se restringe a este Carnaval não é segredo. Assim como não é segredo que algumas escolas deixaram de prestar contas da utilização da verba pública para o desfile. A liberação então incorreria em falta de lisura do dinheiro público e pronto… Vamos cancelar o Carnaval? Vamos. E vamos fortalecer esta decisão com o discurso de que a verba será destinada à saúde e outras coisas “mais importantes”? Sem dúvida é o que está sendo feito.

Parece muito simples e ordeiro, mas não é. E antes que alguém menos atento aos detalhes insista que estou defendendo utilização de dinheiro público sem prestação de contas, devo insistir no fato de que cansei de participar pessoalmente de reuniões de tal associação e não tenho dúvidas das falhas, inclusive também as de algumas escolas, com sistemas contábeis e similares e das dificuldades em efetivar a realização da prestação de contas. Também não acredito que o caminho tomado pelo Executivo local não tenha respaldo legal. No entanto, foi uma opção. Havia outras possíveis.

- Publicidade -

Quando digo que havia outras possíveis é porque não enxergamos esforço algum do poder político em sentar-se com os representantes das escolas de samba e solucionar o impasse. Não houve tentativa de manter o Desfile de Carnaval e esse é o ponto. Poderia ter-se chegado a um consenso de punir a associação. Poderia ter-se chegado ao consenso de punir as escolas que não prestaram contas, o que seria mais que justo. A Administração poderia ter oferecido auxílio para fechamento das contas, apoio para verificar onde está a falha. Poderia ter, inclusive, oferecido amparo às escolas que realizaram a prestação corretamente. Poderia ter havido um esforço em manter o desfile de Carnaval na cidade. Mas não houve. Houve, ao contrário, um discurso reiterado de que não haveria desfile e que a culpa é meramente das próprias escolas, o que não é verdade.

De lá para cá, do anúncio no não-desfile até o momento, multiplicam-se os discursos de comemoração sobre o fato. É o fim do Carnaval, mas não de todo ele. É o fim do Carnaval, mas só para as escolas de samba dos bairros (pobres). É o fim do Carnaval, mas não o das “outras atividades”. É o fim do Carnaval, mas…. Haverá desfile de blocos, um deles com quase 700 componentes e até anúncio de venda de abadá! Brincadeira? Não… Então o Carnaval continua existindo, mas não pra todo mundo.

- Publicidade -

Daí começamos a perceber que o discurso de parte da população que concorda com tal medida se torna desconexo. Se concordo com o fim do desfile porque lá há bagunça, então que também seja para os blocos! E para os bailes caros de salões? Se o argumento é o de que há uso de álcool e drogas durante os dias de festa, então porque comemorar que não haverá desfile, já que sabemos bem que em todas as outras atividades envolvidas, especialmente as bebidas alcoólicas estão como componente central (há blocos em que os componentes saem com canecões pelas ruas, o que nunca ocorreu com as Escolas)? Fácil perceber, portanto, que, se não na decisão da gestão, no discurso das pessoas há posturas higienistas sim, é a limpa do povão do centro da cidade e sua substituição pelos blocos, a maioria deles envolvendo personagens bem diferentes das que compõem as escolas de samba e que, sem dúvida, também têm direito ao Carnaval. Mas é o Carnaval da periferia, o Carnaval do povo pobre, das Escolas que passam todo o ano pensando nesse desfile, o Carnaval do povo negro, das pessoas apaixonadas pelo samba de rua, o que incomoda. Esse e não outro é o que está sendo aclamado como bagunça, como desnecessário, como responsável por todas as mazelas que toda grande festa pode proporcionar à cidade. É sobre esses que dizem que a Saúde vem antes da diversão e coroam a decisão da prefeitura de “não gastar” com os desfiles, investindo em “outras questões de maior importância”.

Não bastasse o populismo desse discurso que está sendo aproveitado pela Gestão e repetido por algumas pessoas (mesmo algumas diretamente atingidas), entra nessa discussão a questão óbvia de que a verba estava prevista para custear o desfile de Carnaval e que a obrigação da Prefeitura com Saúde, Educação, Promoção Social continua exatamente a mesma. Uma coisa não exclui outra e, especialmente, Cultura e Turismo não podem ser tratados como questões de segunda categoria porque perpassam todas as primeiras que citei. Carnaval é uma festa popular que fala mais da cultura brasileira e do povo negro do que qualquer outra! Desfile de Carnaval atrai turismo para a cidade! O Carnaval é uma festa que tem alto entrelaçamento com os processos de educação, sobretudo não-formais, envolve campanhas educativas de diversas formas e ele também, o desfile de Carnaval, é trabalhado pela Instituição Escolar de diversas maneiras porque a Cultura é pura construção humana! Construção essa, no caso do Carnaval, que tem a ver com nosso histórico brasileiro, nosso contexto de escravidão e resistência! E os discursos sobre a não realização dos desfiles permanecem mantendo a fala de poder de categorias dominantes, excluindo a legitimidade do povo nas ruas, da periferia de vir ao centro, da população pobre na ocupação dos espaços, que ficarão restritos aos seus bairros. Cada um na sua e ninguém apareceu incomodado com a realização das atividades nos bairros das escolas. Será porque lá não são vistas? E ninguém se incomoda com a substituição das Escolas pelos Blocos, o que ocorrerá na prática, será porque o que nos atrapalha é realmente o desfile ou quem está nele?

Por fim, creio que seja interessante considerar como a apropriação da festa pelo poder público, na medida em que o desfile depende de verbas, acaba por regulá-lo. Afinal, de quem é o Carnaval? Um antigo componente da Escola Vivaldinos da Vivaldi repete em todos os ensaios, que fazem mesmo sabendo que a escola não sairá às ruas, que o Carnaval é do povo! Sendo do povo, entendo ser necessário que o povo se aproprie dele, de suas escolas, de suas prestações de contas, da cobrança da realização da festa para todos no município, da segurança nos locais em que ocorrem atividades. Tomemos o Carnaval de volta porque ele é nosso! E sendo nosso, convém ressaltar que o espaço público também é nosso e que nos cabe exigir do poder público a realização da festa que nos pertence! Afinal, existimos e a cidade precisa saber que Carnaval não é só composto de abadás, não é só bailes caros de máscaras e roupas vermelhas e pretas em salões em que os ingressos passam das centenas de reais. Não é só show de músicas alternativas. Carnaval não é só dos Blocos. O Carnaval também é das escolas e da população dos bairros que as compõem. População essa que é a verdadeira punida e excluída de uma festa quando há uma decisão como a que foi tomada pelo poder público. Excluir da Avenida o Desfile das Escolas de Samba não é economia e “redirecionar” a verba do Carnaval só significa estabelecer quem de verdade tem espaço na cidade.

*Agradeço imensamente ao meu colega professor, o historiador Lucas Santos, a quem devo a coautoria deste texto, pela contribuição com o debate e conhecimento sobre o tema.

** Andréa Benetti é pedagoga, formada na Puc Minas pelo ProUni, e conselheira tutelar em Pocos de Caldas, regiões sul/oeste.

Veja também
- Publicidade -












Mais do Poços Já
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -
Don`t copy text!