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Poços de Caldas

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Um Urbano mais Humano: Espaço da Cura – uma DESMEMORIZAÇÃO

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Como de costume, vamos ao dicionário, às definições :

 DESMEMORIZADO:

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Adj. falta de memória, absolutamente esquecido;

s.m. o indivíduo que por choque ou doença perdeu a memória da própria personalidade anterior a esse acidente.

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Desprovido de memória; que se conseguiu desmemoriar; cuja memória está fraca.

Há tempos venho pensando em retornar minha dissertação de mestrado, concluída em 2005, no intuito de reescrever capítulo 2 da dissertação, o Espaço da Cura, que apesar de ter me dado imenso prazer em escreve-lo, necessita de revisão, o que é compreensível, já que passados 11 anos, muita coisa entendi e outras ainda pretendo levantar e tirar novos entendimentos no doutorado.

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Claro que falo da área central de Poços de Caldas e que na época (2003 a 2005) me interessava olhar o que fazia deste espaço o lugar tão encantador a ponto de vermos a diversidade de pessoas que simplesmente fica ali, dança, conversa e observa.

Essa é a troca necessária a consolidação do espaço público. A troca social em um espaço não ‘mercadoria’, que se senta e olha sem que precise consumir algo.

É na praça onde via isso acontecer, e ainda vejo, graças a Deus e àqueles que ainda não venderam esse espaço público, ufa!

Neste texto pretendo refletir sobre a memória deste espaço e não somente deste, mas do ESPAÇO da ORIGEM.

Neste final de semana que passou, fui a Caldas e a Pocinhos do Rio Verde, em busca dos espaços de origem de Poços e também para sentir os Espaços de Cura.

Em Pocinhos me deparei com estruturas arquitetônicas já demolidas e esquecidas, em Caldas fui ao deleite, com algumas poucas Taipas numa linear pracialidade de sua praça longa… que fantástico!

Em meio a sentimentos de tranquilidade vendo arquiteturas que já se foram em Poços, como bons exemplares do Neoclássico, Neocolonial e Art Decô, me peguei sentindo a falta de levantamentos patrimoniais e da divulgação desta preciosidade da cidade que nos originou. Somos os Poços deCALDAS, afinal de contas.

Em Pocinhos do Rio Verde, retornei ao passado, vi e senti com admiração aos heróis do patrimônio histórico, os proprietários, um extremo orgulho por manterem como valor maior ao hotel, uma estrutura em funcionamento desde a sua fundação: O Grande Hotel de Pocinhos do Rio Verde.

Andando e percorrendo todo espaço urbano de Caldas e Pocinhos, me perguntava sobre a identidade da cidade e sobre o quanto os poços-caldenses pouco sabem de nossa origem e do valor deste espaço que se construiu em 1886, mesmo ano de inauguração de nossa estação ferroviária, contemplada com a visita de Dom Pedro II.

Recordo então ao texto escrito em 2005 sobre a área central e o processo de formação do espaço urbano de Poços de Caldas e finalizo com os HERÓIS do Termalismo…o pouco que resta:

“… O que se percebe nestes relatos [sobre o LARGO Senador Godoy]é que o lugar onde afloravam as águas milagrosas era um espaço sem nenhum tratamento urbanístico, ou sequer era um espaço habitável. Motivo pelo qual houve um grande esforço do governo em providenciar melhorias e proteção para o local das virtuosas nascentes além da tentativa de se construir ali um hospital, o que acabou ocorrendo somente no século XX.

Logo depois de Proclamada a Independência, no ano de 1826, foi dada a ordem do governo para que o Juiz de Fora da Campanha da Princesa (hoje, cidade de Campanha, MG), Presidente Dr. Agostinho de Souza Loureiro, fosse para o Campo das Caldas, hoje a cidade de Poços de Caldas, onde precedeu ao seu levantamento topográfico. Este levantamento é o primeiro registro gráfico sobre as localizações das nascentes das fontes termais.

Ao longo da história de Poços de Caldas, percebe-se uma recorrente ocupação ao redor das três principais fontes: Pedro Botelho, Mariquinha e Chiquinha5. Desde as primeiras e primitivas ocupações vai se desenhando um “Largo”, um espaço procurado para cura dos males do corpo, onde a alma e o espírito não encontram lugares para se fortificarem e as orações acabam por se dar nas próprias cabanas feitas no improviso, pelos doentes, no período de tratamento.

Fig. 1 – A primeira planta do local de Poços é datada de 5 de março de 1826. In OTTONI, Homero Benedicto. Poços de Caldas. 1960

O mapa de 1826 (fig. 1 e 2) deixa bem claro o desenho do largo[demarcado em cor laranja]que vai sofrer diversas intervenções ao longo da história, no sentido de qualificar esse espaço dando a ele um aspecto de urbanidade e civilidade, sempre ligado aos assuntos do corpo e do mundo, mas nunca ligado ao sagrado e ao espírito. Há relatos de que talvez no século XVIII se pudesse verificar algum misticismo por causa do cheiro forte de enxofre que emanavam das fontes.

É importante verificar que no mapa de 1826 (fig. 1) já se encontram registradas algumas ocupações e intervenções bastante precárias feitas para que se pudesse usufruir das fontes termais e também para se conseguir transitar, por pontes nesta área rodeada por nascentes, córregos e ribeirões. A povoação nesta data era composta por:

em torno das fontes termais alguns ranchos para doentes;
uma casa na beira do ribeirão;
rua projetada para casas de 60 palmos
ao sul das fontes, lugar reservado para o hospital, distando 45 braças das nascentes;
curral de pedra e casa da fazenda provavelmente já residência do Capitão Joaquim Bernardes da Costa Junqueira;
uma casa no caminho que vai para Caldas;
grupo de 5 cabanas na margem direita do ribeirão do Pinhal (fonte dos macacos); cemitério antigo;
nascentes das águas termais mais quentes (a);
nascentes das águas termais menos e mais temperadas (b);

Ainda no ano de 1826 o Dr. Agostinho de Souza Loureiro, por conta do levantamento topográfico executou alguns melhoramentos em torno das nascentes. Foram abertos dois poços, o que conferiu o nome da localidade, os “poços de Caldas”, para melhor utilização das águas termais, sendo por ele construído o primeiro balneário, composto por dois banheiros separados e cobertos por uma choupana de palha, demolidos pelas seguidas enchentes do “ribeirão de Caldas” ou “dos poços”, como ficou conhecido. Foi pioneiro em estudos da vazão das fontes e da força ascensional das águas sulfurosas.

De 1826 a 1865 não houve nenhum investimento de vulto partindo do governo provincial no intuito de aumentar e dar melhores condições para permanência dos forasteiros (visitantes/doentes). Segundo Mourão (1977-pg51) vários projetos foram elaborados mas nenhum saiu do papel. No entanto, muito se tratou, de forma política, para que esforços não fossem medidos na qualificação deste lugar.

Segundo Mourão (1977) a primeira rua que existiu no Campo de Caldas é a atual Rua Paraná (antiga Ipiranga), que desemboca em frente às Termas Antonio Carlos, justamente onde se desenha o largo, ou seja, a primeira ocupação se dá em função do elemento estruturador: a ÁGUA, a CURA. Portanto a força da morfologia urbana que se inicia nos chamados “campos das Caldas” ou nos “poços de Caldas” parte do largo que se estrutura pela água, mas não da simples água, é da “água que cura. (MATTHES, 2005)

Fig.3-Plano Urbanístico de 1872. Cópia retirada do livro “Poços de Caldas”, de Homero B. Ottoni, 1960- capítulo Estampa – nº15.

Fig. 4- O Largo em 1900. Em destaque a Rua Ipiranga (atual Rua Paraná), a mais antiga da cidade. Fonte: Acervo Museu Histórico e Geográfico de Poços de Caldas-coleção J. Ranauro.

Fig. 5- Vista da Cidade em 1960. Acervo Museu Histórico e geográfico de Poços de Caldas

Em Pocos de Caldas, o espaço público se constituiu ao redor das fontes de águas termais, e todas as remodelações urbanas se deram em função do poder das águas e do quão significante se tornou o espaço publico a ponto de se estruturar como também um espaço social e de representatividade política ao longo dos anos.

Toda sorte de negócios se estruturava em lugares de lazer, entretenimento (como cassinos e salões de dança) e repouso. O espaço público urbano de Poços de Caldas se estrutura pelo ESPAÇO da CURA.

Em Pocinhos, no inicio do Grande Hotel, havia a água termal, depois com  a construção do Balneário de Pocinhos o Grande Hotel era a estrutura de apoio ao espaço de CURA.

Neste espaço da Cura a arquitetura se modela de modo a trazer bem estar e comodidade para as enfermidades dos hóspedes.

Em Poços os acompanhantes desfrutavam de estruturas urbanas que faziam todo deleite urbano, a comodidade no espaço público.

A arquitetura de Poços também se desenha de modo a convidar a entrar em estruturas de consumo de cultura e lazer, como cassinos, teatros, cine clubes e concorridos salões de dança.

Mas o que mais me surpreendeu foi a gentileza da reformulação do Grande Hotel. Sem maiores investimentos de uma estrutura de tombamentos ao patrimônio histórico, já que o hotel não é tombado, o investimento em arte e cultura naquele empreendimento me faz pensar em como sobreviver economicamente conseguindo aliar a cultura, a arte, o patrimônio histórico em meio a tantas turbulências.

Fotos do acervo pessoal do Grande Hotel de Pocinhos – Site (http://www.grandhotel.com.br)

A varanda antes e atualmente. A essência do lugar como espaço de encontro e de descanso em comodidade é encantador.

Me parece um certo heroísmo e amor à cultura e à história local.

Gostaria de pensar sobre esses HEROIS do TERMALISMO, um hotel sobrevivente em meio a um balneário fechado para reforma feita pelo estado de minas, e que a CODEMIG promete entregar em 2018.

São heróis por conseguirem sobreviver sem o elemento de ORIGEM: a ÁGUA QUE CURA e o que fica são rastros de imaginação este ESPAÇO DA CURA, sem a água.

Um contra-senso pensar na estrutura da cura sem seu elemento principal.

O Hotel é BELO, seu espaço transita entre o novo e a história, entre o tradicional e o refinado, senti isso tanto na culminaria mineira quanto na ordenação do espaço e do mobiliário.

Fachada principal do Grande Hotel. Acervo pessoal da autora, fev/2017.

Fachada principal do Grande Hotel, em 1920 e posterior (sem data definida) mostrando a construção da varanda e recepção. Acervo pessoal do Grande Hotel – site (http://www.grandhotel.com.br)

É impressionante como as características do Grande Hotel permanecem em harmonia com as adequações contemporâneas.

Fico incomodada em pensar a atitude dos órgãos federais como IPHAN, estaduais como o IEPHA e como o próprio município não se apropriam das instancias de preservação. Mas não os culpo.

A ignorância, no sentido da própria palavra, do não saber, de não estar próximo, sobre o que esses órgãos e instancias que cuidam de nossa cultura e patrimônio histórico, podem nos ajudar é resultado de uma não proximidade e de um desinteresse extremo da gestão da cultura brasileira.

Ainda me encontro estranha, num estado de memória que busca restos da história que desaparece…

E penso no sentido e significado do LUGAR onde vivo e transito e como o espaço da cura não me remete mais à cura e nem a seu elemento principal: AS ÁGUAS, termais, sulfurosas e de propriedades raríssimas.

E buscando um entendimento, encontrei nesta dissertação de mestrado um trecho que me fez refletir ainda mais:

“…Nesse sentido, a preservação do patrimônio arquitetônico é um parâmetro na calibragem entre políticas públicas de apoio e valorização afetiva por parte dos proprietários; se existem políticas sem interesse do proprietário não gera consciência, se existe interesse sem apoio, não existe restauração. Ou seja, a comunidade é a maior guardiã do seu patrimônio cultural e sem o seu apoio as políticas públicas tornam-se ineficientes. Do mesmo modo, as políticas públicas precisam aliar-se aos detentores de patrimônio cultural para obter êxito. A valorização dos bens culturais aliada às políticas públicas de conservação e preservação, trará como conseqüência a minimização dos efeitos de desmemorização nas cidades. “

(CASSANDRA HELENA FAES,2008)

E então volto ao titulo deste texto: a DESMEMORIZAÇAO do espaço da CURA, dos espaços da identidade do lugar. Um recorrente desmonte de nossa história local que passa totalmente despercebido pela desculpa de um progresso desenfreado, de uma modernização sem qualidade e de um prepotente domínio do homem na sua artificialização do cotidiano e do espaço construído em detrimento da total anulação do espaço natural de origem, sem rastros, sem memória e sem identidade.

Agradeço ao Grande Hotel de Pocinhos. Me fez rever o quanto nosso Espaço da CURA se DESMEMORIZOU…

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