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Poços de Caldas

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Chuvarada na manhã de sábado

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Da sacada da frente da casa dá pra ver o ribeirão transbordando no fundo do vale que separa o bairro em que moro do restante da cidade. O estreito curso de água está cheio. Parece um rio bem maior do que é realmente, espalhado pelas margens adjacentes. Encheu tanto que quase passou por sobre a pequena ponte de concreto que dá acesso ao bairro.

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A chuva começou de madrugada e continuou por toda a manhã. Foram várias pancadas mais fortes precedidas de raios e trovões, alguns meio assustadores. Tanto uns como outros pareciam ter quilômetros de comprimento: Tiiiiiiaaaaaapppp-tiiiiiiaaaaaapppp… Cabruuuummmmm…

Às seis da manhã o dia não amanheceu totalmente, ficando meio lusco-fusco até por volta do meio-dia. E a chuva tamborilou no telhado ininterruptamente, escorrendo abundantemente nas calçadas e formando grandes enxurradas pelas ruas íngremes do bairro.

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Saí na varanda por várias vezes na manhã daquele sábado, na esperança de que o tempo melhorasse. Pretendia fazer umas compras na feira e promover uma breve visita ao supermercado. Mas, nada! Aquela manhã foi só de chuva. A certa altura eu comecei a sentir uma certa angústia, típica dos dias molhados e pachorrentos.

Mas senti também uma profunda e gostosa nostalgia dos tempos aconchegantes da infância e da adolescência, na casa de minha mãe. Nos dias assim, nos fins de semana ou nas férias escolares, não havia como brincar na rua, nossa principal atividade naquela época. E os videogames ainda não haviam sido nem sonhados.

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Eu não achava ruim, não. Até gostava da chuvarada. Como sempre fui um leitor inveterado, aproveitava os dias chuvosos para ler bastante, escrever ou desenhar. Desenhar? Esta última atividade se explica porque minhas primeiras leituras foram as histórias em quadrinhos, assim como acontece com muitas outras crianças. Por isso, olha só, naqueles idos eu tentava também criar os meus próprios heróis. Fracasso total, é evidente! Para o bem da humanidade, não sobrou o mínimo resquício dessa atividade!

As minhas primeiras leituras depois evoluíram para livros de bolso, recheados de incríveis e repetitivas histórias de espionagem e faroeste. E eu sempre os tinha em quantidade para emergências semelhantes. As revistas e livros, comprados em cidades vizinhas em visitas esporádicas, eram trocados com colegas leitores. Assim, intercambiando as edições, sempre tínhamos novidades para ler. Posteriormente descobri os grandes clássicos na Biblioteca Municipal.

Talvez o isolamento provocado pela chuva facilitasse a concentração na leitura, porque as horas passavam rapidamente. O ruído da chuva lá fora – chiraaaaaaaaa, tec-tec- tec, as gotas caindo e as goteiras do beiral – era o fundo musical perfeito para as atividades de ler e abstrair.

Não sei explicar exatamente o que era, mas sei que havia uma magia naquilo tudo: acho que a chuva lá fora, a vidraça fechada recebendo os pingos de água que escorriam pelo vidro, criavam o ambiente propício para a atividade de fazer nada. Ou quase nada.

Horas eram gostosamente consumidas sem que se sentisse o peso de cada minuto. Na verdade, tudo era leve naquele tempo. A chuva, o sol, o dia, a noite, a vida. A gente ainda não tinha sentido o peso do tempo, apesar da sua inexorabilidade.

Minha casa sempre teve as portas abertas para os amigos. E nesses dias chuvosos sempre aparecia um ou outro para ler, permutar os livros e revistas ou simplesmente conversar fiado. Chegavam correndo e meio molhados. Sentavam e, por vezes, acabavam ficando a tarde inteira folheando revistas, lendo aqui e ali ou simplesmente ouvindo música.

Naquela última manhã de sábado chuvosa, quando o ribeirão inundou novamente a parte baixa do bairro, inclusive o campo de futebol e o centro comunitário, coisa bastante comum no verão, eu resolvi que o jeito era mesmo caçar alguma coisa para ler e esperar o dia passar lentamente, tentando emular aqueles longínquos e felizes dias do passado.

E assim foi feito!

* José Nário é escritor, engenheiro florestal, especialista em Informática na Educação, Gestão Ambiental e Educação Inclusiva e autor dos livros “Lelezinho, o pintinho que ciscava pra frente e andava pra trás”, “Lelezinho vai à escola” e “Minha janela para o nascente”.

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