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O Conselho Tutelar vai te pegar?

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andrea-benettiDurante todo o percurso das políticas sociais em nosso país, um fantasma nos assombra, mas não mais do que às crianças atingidas por ele: o monstro da institucionalização. Com a entrada em vigor do ECA, Estatuto da Criança e do Adolescente, passamos do antigo e famigerado Código de Menores para a doutrina de proteção integral e uma sociedade que mantinha como regra a institucionalização e a penalização da infância pobre passa, por pressão de especialistas e de movimentos militantes, a ser obrigada a conviver com a doutrina que chamamos de Proteção Integral. Um dos lemas do movimento dos Meninos de Rua era: toda criança é criança. Parece óbvio, mas não é. Enquanto vigia o Código de Menores, o juiz da infância, em tempos de ditadura, decidia soberano sobre o destino das crianças. O Código punia sumariamente qualquer criança em situação de rua ou em outro risco, ou em ato infracional, ou mesmo entregue pelas famílias às torturas dos sistemas da famosa FEBEM ou da FENABEM. Propagandas de TV convenciam os pais das crianças pobres a entregá-las ao Estado sob o propósito mentiroso de vê-las formadas como engenheiros, médicos, etc. Eram tempos de políticas higienistas. Políticas que infelizmente não nos abandonaram por completo.

O ECA prevê a garantia completa de direitos para todas as crianças e adolescentes, independente de etnia, sexo, origem social, mas também é uma das legislações mais completas do mundo em termos de responsabilização do adolescente infrator. Nesse cenário, o acolhimento institucional passa a ser considerado a última medida de proteção a ser aplicada pelos órgãos da Rede de Proteção e só pode ser instituído pela Vara da Infância ou, em casos emergenciais, pelo Conselho Tutelar. Antes do acolhimento é preciso que a rede tenha agido: o CRAS como proteção básica precisa ter construído vínculo familiar, inserido a família nas políticas sociais pertinentes, os órgãos da saúde precisam ter feito sua parte, o CREAS atuado em casos de violência familiar instituída, o CAPS AD no caso de pais ou mães, ou mesmo das próprias crianças e adolescentes, usuárias de álcool ou de outras drogas e somente em casos de não resposta a todas às outras medidas anteriormente aplicadas é que se deve considerar o acolhimento. Acolhimento em instituição não é alternativa, é falta de alternativa. O acolhimento institucional traumatiza a criança em todos os casos e produz danos, muitas vezes irreparáveis, para seu desenvolvimento em todos os sentidos. Sanar as negligências é função do Estado, infelizmente o maior violador de direitos do qual se tem notícia neste país.

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A sociedade entende que o acolhimento cura todos os problemas e quando ele não é realizado a comunidade diz que o Conselho Tutelar não trabalha. Em nosso imaginário, ainda calcado no acolhimento como forma de não mais enxergar o problema, que continua lá, até mesmo a rede tende a entender que qualquer criança em situação diferente da que vive sua própria família, precisa ir para a Casa Lar, que ainda chamamos de “abrigo.”

Arrependo-me de todos os acolhimentos que realizei, embora saiba que todos foram absolutamente necessários para tentar garantir proteção às crianças que estavam em situação de negligência extrema. No entanto, sofro até hoje com todos eles, lembro-me de cada criança, seus nomes, suas famílias. Até dos que não realizei pessoalmente, sinto-me culpada por tê-los indicado ao judiciário. Preciso repassar mentalmente todo o tempo que a ação do conselheiro tutelar se dá com vistas a garantir a proteção a uma criança que poderia ter morrido e reforço na mente todo o risco que a criança corria para me assegurar, mesmo depois de muito tempo, que foi necessário.

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Vi a adolescente usuária de drogas sendo levada junto com seu bebê a uma Casa Lar, tirei uma criança pequena do berço para tentar livrá-la dos riscos junto à mãe usuária de crack, acolhi outra pequena vítima de agressão do padrasto, soube do menino que foi para a Casa Lar a meu pedido, carregando o terço de sua avó nas mãos, atendi à adolescente que pedia para ser acolhida até os 18 anos, por favor, porque não aguentava mais os abusos que vivia em casa. Todos choraram em algum momento, muitos terão raiva de mim por muito tempo. Alguns voltaram para casa, outros nunca.

A violência destes acolhimentos não pode ser descrita em um texto sem prolongá-lo excessivamente, no entanto, ainda não descrevi a força policial que muitas vezes é utilizada para efetuar os acolhimentos, dando tom ainda mais punitivo ao ato. Acolhimento é castigo para quem não fez nada. Tirar uma criança da sua família é um grande ato de violação para qualquer criança. Reconstruir é nossa obrigação, enquanto rede, enquanto sociedade, enquanto família, enquanto Conselho Tutelar.

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Se relato estes fatos e sei o quanto eles comovem, não é porque penso que acolhimentos deixarão de acontecer em um espaço breve de tempo, mas é porque entendo que a sociedade precisa entender do sofrimento, do que vem depois, do mal que a institucionalização, por mais que tenha avançado, por mais qualidade que tenham as Casas Lares de nossa cidade (e elas têm), por mais que os técnicos se esforcem, causados na criança. Se conto o que vivemos diariamente tomando este tipo de decisão e tendo que olhar para nossos filhos no final do dia nos sabendo também falhos, é porque exijo o olhar que a sociedade precisa ter sobre os acolhimentos que precisam ser direcionados ao lugar certo: às políticas de promoção social do país, às políticas de fortalecimento verdadeiro de vínculos, aos programas de não violência (que sequer existem), à maternidade e paternidade (existe?) consciente, políticas de verdade para o pobre, para a mãe trabalhadora. Se as Casas Lares não fossem ocupadas completamente pela camada mais pobre da sociedade eu já teria me convencido de que não tem jeito, mas isso não é verdade. A solução, complexa e utópica, é caminhar para a igualdade social.

* Andréa Benetti é pedagoga, formada na Puc Minas pelo ProUni, e conselheira tutelar em Pocos de Caldas, regiões sul/oeste.

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